16/04/2025
Como manter a sanidade em um mundo sem faltas?
Provocada pelas discussões dos cartéis que participo (Perversão | Psicanálise e Dinheiro), pelos achados da minha clínica e pelos debates que venho acompanhando recentemente, decidi tecer algumas considerações sobre o capitalismo, a falta e o sofrimento.
O capitalismo, enquanto sistema de produção e organização social, não apenas configura as relações econômicas e políticas, mas também opera sobre o inconsciente do sujeito. Sua lógica de produção, consumo e a incessante busca pela satisfação cria uma estrutura perversa que nega a falta, e é nesta negação que o sujeito se vê confrontado com uma multiplicidade de formas de sofrimento psíquico.
Na psicanálise, a falta é estrutural: ela é o motor do desejo, o que impulsiona o sujeito a buscar, a criar, a se tornar. Para Lacan, o desejo nunca é completamente satisfeito, pois está sempre inscrito na falta (a falta de um objeto perdido). Só podemos desejar o que falta.
Já no discurso capitalista, a falta é substituída pela promessa de completude: a ideologia do consumo promete que o sujeito pode satisfazer seu desejo completamente por meio da aquisição de produtos, experiências, status e sucessos. Porém, quanto mais se consome, mais o desejo se desloca, e nunca há uma verdadeira satisfação. O capitalismo não apenas explora essa falta, mas a nega de modo perverso e a transforma em uma busca incessante por algo impossível de ser alcançado.
O sujeito, cercado por modelos de sucesso que são apresentados como acessíveis a todos (meritocracia), se vê preso numa corrida sem fim que o leva a exaustão. E quando não consegue atingir esse ideal, surgem as patologias: o burnout, a depressão, o pânico, as crises de ansiedade, os desencadeamentos de psicoses, as dificuldades em habitar o próprio corpo.
Em outros tempos (e modelos de produção e sociedade) o mal estar do sujeito ocupava um lugar no laço social. O “louco”, por exemplo, podia ser visto como sábio, sacerdote, ponte para o plano espiritual, curandeiro, etc., mas não era apartado da sociedade por não ser ‘produtivo”.
(CONTINUA NOS COMENTÁRIOS)