08/09/2022
Diz a lenda que na antiga côrte do tirano Dionísio, em Sitacusa ( IV. a.C.), havia um conselheiro, de nome Dâmocles, cuja inveja do soberano era gritada aos quatro ventos. Ele detestava a vida que tinha e saboreava de longe todas as vantagens da vida real. Dionísio é que era feliz…Gozava de poder, do conforto, dos banquetes e das mulheres.
Farto de escutar a inveja do seu conselheiro, Dionísio propõe que eles então trocassem de lugar por um dia.
Dâmocles experimentou tudo com muita empolgação, até que, num dado momento, olhou para cima e percebeu uma espada, próxima a seus olhos, sustentada por um fio bem fino, prestes a se romper a qualquer momento e cair. Apavorado, seu prazer logo deu lugar ao temor da morte. Dâmocles então ouviu do tirano: “ É assim que vivo”. Sem saber quando e quem irá partir esse único fio que me liga aos prazeres que você inveja… Se virá dos inimigos a invadirem nosso reino… Se virá do povo contra mim… Se virá de uma decisão errada minha…Dâmocles retornou para casa e não desejou mais o “fio do prazer” alheio.
Essa história, conhecida como “ a espada de Dâmocles”, é outra metáfora para a sensação da grama verde do vizinho. Ela é tão verde, tão vistosa, tão perfeita… E o dono dela, será que vê do mesmo jeito?
Esse outro que “tem” o que é necessário para ser feliz é objeto da nossa fascinação narcísica: nós amamos e nos odiamos através dele.
Talvez por isso a “rainha má” da Branca de neve endereçava suas perguntas a um objeto que lhe garantia saber se ela era a mais bela entre todas. Esse objeto mágico não é atoa que era um espelho. Era “a mágica da sua própria imagem” que lhe devolvia a medida de sua beleza.
Mas as imagens, as ideias, o gozo de nos ver nos outros, têm limites. A própria pandemia nos tem mostrado algo dessa ordem. A espada sob a cabeça, o corpo que adoece, a perda do poder, o medo de algo ruim acontecer… demonstra não só fracasso do “ verde perfeito” que insistimos em reivindicar, mas também empresta renovado valor a própria vida como ela é, afinal, cobiçar a grama alheia ás vezes vezes é dar tempo para o fio se partir antes de descobrirmos o prazer de cuidar, do nosso jeito, da nossa própria grama.
Rafael Duarte