24/05/2025
Inversão de papéis: a infância adulta e a adultez infantilizada
Vivemos tempos em que os papéis existenciais parecem estar se dissolvendo em novas formas de se estar no mundo. Em nome da modernidade e da praticidade, vemos crianças imersas em telas, dominando dispositivos com a desenvoltura de um adulto, enquanto adultos cuidam de bonecas realistas — os chamados bebês reborn — com o zelo e afeto que antes se destinava aos filhos reais. O que está acontecendo com nossa vivência do humano?
A partir da perspectiva da psicologia fenomenológica, que nos convida a olhar para as experiências tal como são vividas, sem pré-julgamentos, essa inversão nos provoca. O que está se revelando nessa cena em que a criança, ainda em processo de constituição de si, é chamada a lidar com o excesso de estímulos digitais, responsabilidades emocionais e autonomia precoce? Enquanto isso, o adulto, muitas vezes ferido em suas experiências relacionais, busca numa boneca o vínculo que o mundo real não sustentou.
A criança com o celular na mão não apenas br**ca — ela se desconecta da presença do outro, perde-se em um mundo onde tudo responde aos seus comandos, diferentemente da complexidade das relações humanas. Já o adulto que cuida de um bebê artificial talvez esteja dizendo, silenciosamente, que há uma carência não elaborada, uma ferida não acolhida, uma experiência de maternidade ou paternidade que ficou apenas no desejo, ou foi atravessada por frustrações profundas.
Ambos os fenômenos, apesar de aparentemente distantes, apontam para uma crise no modo como experienciamos os vínculos, o tempo e a afetividade. A criança não vive mais o tédio criativo da infância, nem o corpo em movimento livre. O adulto não sustenta mais o peso de suas dores e desejos no campo real da vida, preferindo simulações que o protejam do fracasso da relação autêntica.
O que essa inversão de papéis diz sobre nossa forma de existir? Quando a infância precisa amadurecer antes do tempo e a adultez se refugia na fantasia da inocência perdida, talvez seja hora de perguntar: quem está cuidando de quem — e quem está sendo verdadeiramente visto?