
13/03/2024
TEMPO DO LUTO
Andréa, 60 anos, chegou ao consultório da analista perplexa. Tinha acabado de sair de uma consulta médica de rotina. Ao falar emocionada e entre soluços que tinha perdido um ente querido, foi surpreendida com o seguinte comentário: “Mas, Andréa, já não faz seis meses que essa pessoa faleceu? Já era tempo desse choro ter parado!”.
“Ah, pensou Andréa, quer dizer que existe um tempo delimitado para o choro? É possível mensurar o tempo de um luto, Dra.?”. Foram com essas perguntas que a paciente se pôs a falar do seu sofrimento. Estaria ela fora de alguma normatividade clínica que estabelecia quanto tempo, a intensidade, a regularidade da expressão de uma emoção? Haveria uma classificação, tal como indicada na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT - que estabelecia, dado o grau de parentesco, por quanto tempo a pessoa teria a “licença” para chorar a perda?
À analista coube acolher não somente o choro da paciente, mas também sua indignação pelo susto que a vida lhe pregou.
Para a psicanálise, não existe um tempo universal para o luto. Cada sujeito, com os recursos de que dispõe, encontra um caminho para lidar com a dor da perda de alguém amado.
Seria o choro a única forma de revolta contra a morte, que chega sempre apressada demais? Andréa, ao longo do tempo, foi descobrindo outras formas de lidar com a falta, com um vazio que não pode ser preenchido. Pouco a pouco, foi descobrindo modos de conviver com a saudade e encontrou na escrita uma maneira de subverter a tirania implacável da morte.
Escrever aplaca o vazio do sem palavras, do não saber o que fazer frente à partida de alguém. Escreve-se não para cobrir papéis em branco, mas justamente para, nesse esforço muitas vezes repetitivo, encontrar-se com o genuíno vazio do fim do tempo de alguém. Quem sabe aí encontra-se uma companhia! Esta é a aposta!