
17/09/2025
Maternidade – O desencontro é a marca dessa relação
A maternidade nasce sob o signo do desencontro: entre o ideal de uma mãe plena de amor incondicional e a experiência real de uma mulher atravessada por cansaço, medo, raiva e também amor. O mundo espera que, ao nascer o filho, nasça também um amor imediato, quase místico, sem espaço para tristeza ou saudade da vida anterior. Mas nenhuma forma de amor humano funciona assim. Como em qualquer relação, mãe e filho se constroem no tempo, entre aproximações e estranhamentos. O bebê real nunca é idêntico ao bebê sonhado, e é nesse intervalo que se funda a experiência materna.
Ainda hoje, a sociedade não admite que a mãe sofra com a chegada do filho. A frustração coletiva recai sobre ela em forma de culpa, raiva e julgamento, levando-a muitas vezes a acreditar que é uma “mãe ruim” por não sentir apenas coisas boas. Mas não se trata, necessariamente, de falta de amor pelo filho, e sim de desalinho com a própria maternidade com o peso simbólico e social de ser mãe. O modelo de perfeição materna, com famílias radiantes, casas impecáveis e filhos sempre comportados, segue sendo reproduzido, mas felizmente começa a ser questionado.
A mãe recebe desde cedo a marca de ser a principal responsável pelo desenvolvimento do filho. De fato, desde a vida intrauterina, ela transmite sensações e emoções que vão além do amor: também medos, inseguranças e expectativas. Atenta a isso, passa a se cobrar por uma perfeição inatingível. Racionalmente sabe que não é possível, mas emocionalmente não consegue deixar de aspirar a esse ideal. Quando se percebe falhando, é tomada pela culpa e quanto mais culpada, mais sofre. Exausta pelas múltiplas demandas, irrita-se, explode, sente-se egoísta quando cuida de si e, nesse desalinho entre ideal e real, nasce a narrativa silenciosa de que não é boa o bastante. Nasce um filho, nasce uma culpa.
A psicanálise reconhece o peso dessa trama. Freud mostrou a centralidade da infância na vida psíquica e colocou a mãe como primeiro objeto de amor e cuidado, essencial à sobrevivência do bebê. Klein e Winnicott avançaram, atribuindo à função materna um lugar central no desenvolvimento emocional. Para Winnicott, a “mãe suficientemente boa” é aquela que, ao mesmo tempo que acolhe, também frustra, mostrando ao filho que há limites e tempos de espera, e que ele não é extensão do seu desejo. Esse equilíbrio sustenta a integração psíquica e ajuda a criança a se tornar resiliente. Bion, por sua vez, descreveu a mãe como continente das angústias do bebê, capaz de receber, metabolizar e devolver experiências emocionais em forma mais suportável.
O ponto não é ensinar as mães a serem “boas o bastante”, mas reconhecer que a maternidade não é um papel a ser desempenhado com perfeição. Ela se dá no ser, no viver cotidiano, no sentir genuíno. É nesse gesto vivo que a mãe transmite ao bebê que a vida é digna de ser habitada com alegrias, mas também com frustrações inevitáveis. A maternidade, em sua verdade, não é sobre atuar, mas sobre ser.
Psicóloga/Psicanalista
Francinéia Fabrizzio