
19/06/2025
Há risco de emburrecermos com a IA?
Nos últimos meses, uma inquietação vem me acompanhando com força crescente. Percebo uma recusa ativa à leitura de livros que exigem reflexão, à escrita autoral, à escuta do próprio pensamento. Mais do que isso: há quem pergunte à inteligência artificial o que deve sentir diante de um término amoroso, como reagir a um conflito familiar ou o que escrever em uma mensagem para alguém querido. Como se a experiência de ser humano pudesse ser resolvida por um algoritmo.
Diante disso, me pergunto:
“A IA está nos emburrecendo? Ou será que somos nós que estamos escolhendo abdicar do processo cognitivo e afetivo de existir?”
Quando a tecnologia nos poupa do esforço de pensar, o que perdemos é mais do que tempo: é a própria inteligência humana que pode estar em jogo.
A inteligência artificial oferece algo muito sedutor: o atalho. Respostas rápidas, bem escritas, organizadas, convincentes. Mas há uma diferença imensa entre obter uma resposta e elaborar um pensamento.
Ao saltarmos direto para o destino, a resposta, perdemos a riqueza do percurso: a dúvida, o erro, a frustração, a curiosidade, a reorganização das ideias. E é nesse processo – lento, trabalhoso, às vezes desconfortável – que o pensamento crítico se desenvolve. Ao substituir esse caminho por uma resposta pronta, corremos o risco de trocar a cognição profunda pela ilusão de saber.
Ler uma frase impactante pode ser bonito. Mas ler o livro inteiro e descobrir onde aquela frase mora, no meio de tantas outras ideias, contextos, dúvidas e revelações… isso é outra coisa. É como escavar lentamente até encontrar um diamante e, ao encontrá-lo, perceber que ele só brilha porque foi gerado pela pressão do todo.
Ler o todo exige tempo, mas nos dá profundidade. É como conhecer alguém de verdade, e não só ver seu perfil. As frases soltas tocam, sim. Mas o livro inteiro transforma. E talvez seja isso que estamos perdendo quando preferimos atalhos: a beleza lenta de ser atravessado por uma ideia inteira.
Do ponto de vista da neurociência, esse modelo de terceirização cognitiva é perigoso. O cérebro humano é plástico: ele se modifica conforme o uso. Cada vez que enfrentamos um desafio cognitivo – ao ler um texto denso, escrever uma reflexão própria, organizar ideias complexas – estamos fortalecendo conexões neurais. Literalmente fazendo crescer nosso cérebro.
Mas o contrário também é verdade. Ao evitarmos o esforço cognitivo, essas conexões se enfraquecem.
Nada disso significa que a inteligência artificial deva ser rejeitada. Ao contrário: ela pode ser uma ferramenta extraordinária de expansão cognitiva, se usada com consciência.
É necessário recuperar o lugar da dúvida, da complexidade, do esforço. Usar a IA para nos ajudar a pensar melhor – e não para pensar no nosso lugar. Há uma diferença radical entre consultar uma ferramenta e submeter-se a ela.
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A IA pode ser aliada, mas quando usamos tecnologia para evitar pensar, sentir ou decidir, perdemos algo essencial. Descubra como manter o pensamento crítico vivo — e por que o esforço cognitivo é a chave para preservar nossa humanidade.