13/12/2022
Há provas irrecusáveis na vida de que o melhor nos leva ao pior. Trazer outro ser humano ao mundo é uma dessas grandes provas pelas quais podemos passar. O adulto, repleto de histórias, desejos, medos, pavores, sonhos e pesadelos que podem ser vividos mesmo quando acordado, tem diante de si um pequeno ser, cujo corpo é feito de uma extrema sensibilidade, justamente por estar aberto aos toques (tato, voz, olhar - em seus duplos excessos, tanto de ausência quanto de presença); toques dos quais o bebê, a criança, dependerá para guardar em si a memória daquele adulto que, inevitavelmente, vez por outra, em períodos diferentes de tempos (ausências curtas, moderadas e definitivas) irá lhe faltar. Podem os adultos pensar que precisam faltar para seus filhos? E quando, como? Podem eles pensar que, para a criança, brincar, imaginar, fantasiar é o ar que respiram? Memórias são feitas daí. Como faz a criança para se livrar das exigências dos adultos? Tem a hora disto, daquilo…Mas tem também a hora em que o adulto não consegue mais viver, ser, a partir das horas que ele próprio estipula - pensamento que nem chega a ser consciente mas pode, rapidamente, fomentar dores que remetem o adulto, por exemplo, a situações de seu próprio abandono e que, lhe sendo insuportáveis, o fazem cair na repetição de mais exigências: tem que, é hora de… Para a criança, o corte do sonhar e do brincar é vivido como traumático: ele perde o ar. Para sobreviver, porque depende do adulto, seu único recurso pode ser abrir mão das partes de si que lhe são mais vivas. O melhor leva a todos - adultos e crianças - a riscos do pior. Nada pode ser pior do que perder partes vitais de si. As crises de raiva são expressão de dores agudas. Resta à criança odiar a si mesma para não ter que odiar aqueles de quem depende para crescer. Ao adulto, resta o incremento de sentimentos de culpa inconsciente que só aumentam seus medos de … Resta a ambos ap***s adaptarem- se, em excesso. O futuro do melhor é o pior. (Evelin Pestana, psicanalista)Ilustração: Infinito Particular, Michael Cheval