04/03/2024
Para que a gente escreve, se não é para juntar nossos pedacinhos? Desde que entramos na escola ou na igreja, a educação nos esquarteja: nos ensina a divorciar a alma do corpo e a razão do coração. Sábios doutores de Ética e Moral serão os pescadores das costas colombianas, que inventaram a palavra sentipensador para definir a linguagem que diz a verdade.
Eduardo Galeano (1997)
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Faz tempo que tenho vontade de escrever um pouco sobre minha experiência de viver em uma cidade litorânea, em um habitat bem mais tranquilo do que a capital paulista. Mas, frequentemente quando penso em postar sobre isso, me vem uma sensação de que escrever muito nas redes sociais me faz perder um pouco do tempo de experimentar o momento presente, e também me faz eu me perder um pouco de mim. Acho que é porque a internet já me causou muita ansiedade e me levou a me envolver com muitos problemas de outrem... Mas eu sempre gostei muito de compartilhar meus pensamentos e situações da vida pessoal... Mas ainda estou juntando os meus pedacinhos quebrados no período da pandemia. Aquilo tudo foi tão pesado para nós, para mim, não foi? E foi naquele período que, um pouco intensamente, decidi juntar dinheiro (após trabalhar muito, por 18 meses incessantemente sem sair de casa, dentro de um quarto, pela internet), e vir morar aqui em Praia Grande. Foi também nesse período, há 2 anos e meio, que iniciei a terapia cognitivo comportamental com uma nova psicóloga, que comecei a tomar antidepressivo para tratar a ansiedade crônica e generalizada que eu tinha e que decidi me afastar de situações, lugares e pessoas que contribuíram para meu adoecimento.
E não é que deu tudo certo? Não senti solidão. Ao menos nenhuma sensação grave. A medicação foi incrível para mim, e eu agradeço diariamente às novas doses extras de serotonina que, por tanto tempo, faltavam no meu organismo. Eu vivi muitas experiências bacanas, sendo que a maioria delas foi na minha própria companhia e na companhia do mar, da minha bicicleta, do meu tapetinho de yoga e das minhas plantas, que foram se multiplicando aqui em casa.
Aos poucos eu fui florescendo um pouquinho mais, cumprindo as metas da terapia e saindo mais de casa, fazendo mais atividades. Tive coragem de voltar pra universidade, fiz vestibular. Comecei uma pós graduação também. Trabalhei com coisas diferentes e recentemente voltei a dar aulas presenciais de Yoga, que é a coisa que eu mais fiz na vida e que faço há mais tempo. Eu confesso que tentei fugir um pouco e fui procurar outras ocupações, mas eu estou compreendendo que o problema mesmo é o capitalismo, e uma outra questão também era a minha falta de maturidade e malícia para lidar com "o mundo adulto."
O fato é que estou escrevendo tudo isso para, com consciência dos meus privilégios, pedir para vocês refletirem e considerarem tentar passar um tempo perto do mar por alguns meses. De repente um ano... Tentem se organizar para isso. Aqui mesmo, em Praia Grande, há muitas possibilidades de concursos públicos, há oportunidades, e o custo de vida é mais reduzido em relação a São Paulo e Santos.
Poder morar sozinho, poder ver o mar sempre, poder cuidar das plantas, poder cuidar de nós mesmos... Isso realmente vale a pena.
Eu achei difícil cultivar amizades por aqui, porque, depois do Covid eu passei a estranhar um pouco as pessoas.