06/07/2025
Muito boa reflexão!
“Ser ou não ser, eis a questão?”, a fala ressonante que atravessa séculos e atinge a todos.
Não se trata de uma pergunta a ser respondida apenas com razão, mas de uma interrogação que exige escuta - interna e simbólica. A jornada de Hamlet, como a de qualquer sujeito em análise, não é decidir entre viver ou morrer simbolicamente, mas entre viver alienado ou tornar-se sujeito de sua própria história.
Joseph Campbell, em sua Jornada do Herói, nos convida a ler essas perguntas não como retóricas, mas como estruturas psíquicas profundas. Para ele, o herói é aquele que ousa partir. Parte rumo ao desconhecido, não por coragem absoluta, mas porque algo o convoca. Esse “algo” é o mesmo que, na clínica psicanalítica, se manifesta como sintoma, angústia ou fratura subjetiva: uma descontinuidade no ego que obriga o sujeito a se reinventar. O herói, então, “abandona a segurança do conhecido e se lança ao território do imprevisível, não apenas para enfrentar dragões, mas para encontrar a si” (CAMPBELL, 2007, p. 41).
A vida humana é, profundamente, uma convocação ao desconhecido. Ser, nesse sentido, é aceitar que há em nós algo que jamais será plenamente nomeado, mas que pulsa - e que nos convoca a criar, amar, sofrer e significar. A travessia do herói é, portanto, uma metáfora para o desvelamento do sujeito: aquele que se faz no encontro com seu desejo e suas faltas.
Esse movimento é análogo ao processo analítico. O chamado, na realidade, muitas vezes se apresenta como angústia, ruptura, perda ou um sintoma que insiste. Diz Lacan, ao retomar Freud: “o sujeito é aquele que surge precisamente onde algo faltava, onde o simbólico não dava conta” (LACAN, 1998).
A caverna que o herói deve adentrar para “ser quem se é” é a mesma onde estão guardadas suas imagens inconscientes, suas dores infantis, suas identificações. Lacan nos alerta: “A verdade só pode ser dita a meio-dizer” (LACAN, 1992, p. 219). Talvez por isso, a resposta à pergunta de Hamlet nunca seja total. Ser é assumir o inacabamento. Ser é não saber, mas buscar.
A vida não é uma narrativa com ponto final. Como bem disse Novalis: “Tornar-se homem é uma arte” (NOVALIS, 2008, p. 49).