05/02/2020
BRECHAS
Arte Psicanálise Resistência
Serão 4 atos ao longo deste ano.
SAVE THE DATE - primeiro ato: 23/05 (sábado) | 09hs-12hs | Auditório da Cesma (Santa Maria)
Em breve apresentação dos convidados e abertura das inscrições.
APRESENTAÇÃO:
Que efeitos as obras de arte e a experiência analítica podem produzir, senão aqueles que convocam o sujeito a deslocamentos e travessias singulares?
Como sabemos, Freud (1856-1939) concede às artes fonte inesgotável de material para seus escritos desde a origem da Psicanálise. Através de seu olhar, capturado por dias por Moisés, de Michelângelo, destaca a importância daquilo que se revela nos pequenos detalhes e nas entrelinhas. É nas brechas que Freud vislumbra um Moisés diferente ao descrito na Bíblia: alguém que renuncia aos seus impulsos e não deixa as tábuas da Lei se quebrarem. Este Moisés surge da sensibilidade do artista e da leitura freudiana nas minúcias da barba e nos movimentos dos pés e das mãos da escultura.
Na captura com que as obras de arte tomam o espectador, lançamos nosso olhar diante das obras do pintor e escultor argentino Lucio Fontana (1899-1968) para construção de Brechas. O artista coloca em cena incisões que alteram a dimensão convencional da tela plana da pintura e rasgam com a lógica simétrica da bela forma. Essas incisões podem ser percebidas como fendas, fissuras, Brechas que rompem com o automatismo da repetição de algumas imagens e abrem espaço para construções de outros significantes. Neste sentido, as Brechas que propusemos é um convite para que nos lancemos em deslocamentos e travessias junto aos pares na tentativa de fazer resistência aos violentos acontecimentos de nosso tempo.
Na lição Os circuitos do desejo Lacan (1901-81) situa a violência como algo pulsional que escapa à simbolização. Diz ainda que a violência é exatamente o contrário da fala, destacando que atos violentos se mostram no fracasso da palavra. “O que se pode produzir em uma relação inter-humana é a violência ou a palavra.” (LACAN, [1957-58]1999, p. 471). Como atravessar esse momento de fortes rupturas de diálogos, negação da história, graves censuras à arte brasileira, tentativas de apagamento da alteridade, atos de ódio e repúdio às diferenças, discursos totalitários que autorizam chacinas e que escolhem seus mortos e seus vivos, fazendo distinção de vidas?
Este cenário desértico temos testemunhado na clínica e em nossos laços mais íntimos. Desertos são "lugares totalitários, em que as imagens se apresentam como imperativas, onde os caminhos já estão exaustivamente indicados, repletos de prescrições, regulamentos - onde não há espaço para o inédito, para o fora do lugar, para o desvio, para a deriva." (SOUSA, 2017, p. 82,83). Que possibilidades temos de fazer incisões e aberturas nesta geografia?
"Se queres aguentar a vida, prepara-te para a morte" (FREUD, 1915, pg. 246). Esta foi a proposta freudiana a partir do deslizamento do ditado popular "se queres conservar a paz, prepara-te para a guerra". O inventor da Psicanálise encerra assim o texto Considerações atuais sobre a guerra e a morte (1915) produzido em uma época de grandes catástrofes e traumas sociais, os quais se atualizam e se transfiguram ao longo das gerações. Como efeito da leitura deste texto, ainda resta a pergunta: como construir Brechas possíveis que deem suporte à vida e à construção narrativa de restos traumáticos da nossa cultura para travessia deste deserto autoritário que se alastra cada vez mais em nosso país e em nosso dia a dia?
Não atravessamos um deserto sozinho. Neste sentido, nossa aposta é abrir Brechas para que a palavra circule como ato de resistência, através de articulações entre as artes e a Psicanálise.
Ariádini de Andrade (Psicóloga, Especialista em Clínica Psicanalítica - ULBRA/SM) e Giovana Dalcin Netto (Psicóloga e Psicanalista, Mestranda em Psicanálise: Clínica e Cultura/UFRGS)
Referências bibliográficas:
FREUD, S. Considerações atuais sobre a guerra e a morte [1915]. In: Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos. Obras completas Vol.12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
FREUD, S. O Moisés, de Michelangelo (1914). In: Arte, literatura e os artistas. Trad. Ernani Chaves. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
LACAN, J. O seminário, livro 5: As Formações do Inconsciente (1957-58). Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
SOUSA, E. L. A. de (2017). Atravessar desertos - psicanálise e utopia. In: Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, n.51/52, jul.2016/jul.2017, pp. 81-88.