03/04/2024
Quando eu comecei atender a demanda de autismo, há 11 anos atrás, ninguém recebia aplausos por isso. Não era “bonito”. Tinha um número muuuuuito pequeno de profissionais que queriam se dedicar a isso, visto como “corajosos”. Isso já diz muito.
Eu estava na empresa há pouco tempo, mas fui pedir “desafios” à minha coordenadora e bom, ela me deu esse. Começava ali, a primeira psicóloga a atender a demanda específica de autismo na empresa. Aos 26 anos assumi a bronca e fui. Na época, o diagnóstico era um pouco mais complexo e difícil de ser feito. O tratamento era puxado. Nos “grandes centros” já havia tratamentos mais avançados, porém, inacessíveis para a maioria (caríssimos) e nós, distantes dos grandes centros, estávamos nos instrumentalizando para atender da melhor forma possível.
No início eu atenderia somente as crianças, porém, começou a ter um aumento absurdo do diagnóstico e passei a atender TODOS os níveis e idades.
Vocês tem alguma dúvida de que isso mudou a minha vida?
Algo que gritou dentro de mim foi perceber que a pessoa com autismo tem dificuldade de se encaixar na sociedade, porque ela não mente. Se ela não fala, seu corpo reage. Se está frustrada, chora, grita, às vezes bate. Se está feliz, ri, gargalha, p**a, balança. A pessoa com autismo SENTE e VIVE O QUE SENTE. Já a gente? A galera “perfeita”? A gente mente o tempo todo, para os outros e pra nós mesmos. Isso me fez cair na real sobre MUITA COISA na minha vida. Temos sonhos que não são nossos, desejos aprendidos e raramente nos sentimos satisfeitos. Já parou pra pensar nisso? Uma pessoa com autismo sente a frustração de forma absoluta. Mas também, a satisfação de forma absoluta. Uma criança com autismo que só queria um rolo de papel higiênico para brincar, experimenta o auge da satisfação quando o tem… um adulto com autismo quando se sente feliz, p**a e ri como quando era criança… Pense bem? Quando foi a última vez que você sentiu essa plenitude?
Não estou romantizando o autismo. O que quero dizer aqui é que com ele, vem muito sofrimento, mas também uma forma plena de sentir as coisas boas da vida. E isso, nós, neurotípicos, somos quase que incapazes de sentir.