07/06/2022
Concordo. 🤗
(Auto) Crítica e Clínica
Tenho ouvido que, diante da tomada de consciência racial, de gênero e sexual, de classe, cada vez as pessoas têm buscado psicoterapias que tenham leituras críticas acerca destas realidades.
Obviamente que este não é um movimento geral, nem por parte de analisandas(os), nem por parte de psicólogas(o). Pois nas duas realidades, há ainda quem se contente com clínicas que discutem o supra-sumo das leituras intrapsíquicas, psicologizadas e até psicopatologizantes.
Repito veementemente que as(os) psicólogas(os) que não alocam em condição de centralidade os processos de raça, classe, gênero e sexualidades como constitutivos de processos de subjetivação e, por consequência, de sofrimento individual ou coletivo, recaem em leituras reducionistas da realidade.
Algumas correntes de pensamento reforçam esta construção de um sujeito psi puro e abstrato, fazendo com que seus seguidores sejam habilidosos aplicadores de técnicas de análise, inclusive, alguns deles especialistas nestas.
Estas rasas leituras tentam criar um plano de separação entre os elementos de ordem social, por assim dizer, e o plano psicológico. Como um reinado do mental puro, povoado por processos psicológicos básicos (percepção, aprendizagem, linguagem, pensamento, atenção, memória, motivação e emoção) independentes que requerem uma ciência específica que trate deles especificamente.
No entanto, a clínica psi (seja ela operada em qualquer lugar) tem sido habitada por temáticas que transcendem os manuais clássicos da psicologia e da clínica, desafiando a tentativa de controle, predição e previsão próprias do aroma positivista que a Psicologia se deleita.
Aqui, a clínica formatada em análises-intervenções fechadas em suas inspirações epistemológicas que denegam o papel das opressões na constituição dos processos de subjetivação e do sofrimento tem sido fissurada por subjetividades que não se contentam mais com a clínica rasa baseada no ultrapassado (porém superestimado) psicologismo.
Assim, tem sido cada vez mais urgente a criação perspectivas clínicas que sejam críticas a realidade social em sua capacidade de constituição de modos de ser, pensar, agir, relacionar-se e, consequentemente, sofrer. Este movimento implica em uma atitude de interpreTorção por parte de analistas em suas leituras sobre seus próprios referenciais teóricos, recusando as leituras passivas que visam apenas aprender a aplicar as técnicas psicológicas.
Nossas teorias e práticas precisam permitir que as vidas que encontramos sejam disparadoras de revisão, redefinição, desconstrução destas teorias-práticas em vez do dogmatismo das graduadas-pós-graduadas-doutoradas opiniões formadas sobre tudo.
Para isso, é fundamental uma atitude fundamentalmente autocrítica na maneira como teorias e práticas são construídas no cenário atual. É fundamental que a realidade não seja concebida como mero objeto de estudo-análise-intervenção, mas como um campo de criação-destruição de saberes, epistemologias e práticas que sejam coerentes com a realidade analisada.
Ou seja, os encontros com as pessoas que a clínica se propõe a cuidar, trazem consigo não apenas uma matéria-prima de análise com narrativas, gestos, corporalidades, percepções, sensações, mas também o atravessamento entre coletivo e singular, entre pessoal e político.
Precisamos assumir uma postura autocrítica sobre nossos fazeres, pois a Psicologia que nos foi/é ensinada majoritariamente não contempla os impactos do genocídio indígena e negro na subjetividade das pessoas indígenas e negras, o impacto da fome nas pessoas atingidas, da instabilidade econômica própria do neoliberalismo, do machismo que afeta mulheres (cis e trans), da lgbtqiafobia nas pessoas lgbtqia+.
Sem a autocrítica dos nossos fazeres e saberes, temos a chance de reproduzir modus operandis de análise ultrapassados, reducionistas e, às vezes, até violentos, como já discuti aqui. Autocrítica, inclusive, sobre como nossos fazeres são limitados diante da complexidade da sociedade, como situa uma fala da professora Jeane Tavares que circula nas redes.
No entanto, é preciso fazer uma ressalva que é preciso ter prudência inclusive na autocrítica, porque há um limiar (por vezes tênue) entre a autocrítica potente que nos apresenta a necessidade de repensar nossas práticas, mas se constitui como movimento afirmativo em que o caos da destruição do mesmo cria outras possibilidades e entre uma autocrítica exacerbada própria das demandas do mercado que colocam analistas em um movimento constante de autodepreciação, comparação e insegurança, próprias do neoliberalismo.