18/04/2025
COBRA NORATO E COBRA MARIA CANINANA
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★Na vastidão dos contos indígenas se preserva uma antiga lenda contada pelos povos da floresta: a história dos irmãos cobra★
Em uma antiga noite de luar, nos tempos que remontam o Pará como terras portuguesas, uma moça indígena banha-se solitária nas águas de um igarapé. Estando menstruada, lava-se de suas impurezas, mas o cheiro de sangue logo atraiu uma das entidades mais traiçoeiras da floresta que ali repousava: a Boiuna, a mais gigantesca das cobras. Na espreita, ela observa a sua vítima e transmuta sua forma para a de um belo homem e enfeitiça a moça com desejos, vindo a ter relações com ela. Na manhã seguinte, a indígena acorda com a barriga imensa de grávida, apavorada foge sem ninguém ver e com dores de parto dá à luz a duas cobrinhas: um casal de gêmeos. Ela os chama de Maria Caninana e Norato, e as cobrinhas nadam para a vastidão do rio Amazonas.
As cobras são agraciadas com o dom de virar gente. A fêmea, Maria Caninana, tem personalidade tinhosa, traiçoeira e se diverte virando barcos e devorando os homens sem piedade. Já Norato é um bom rapaz e sempre volta para visitar a aldeia e, quando pequeno, em forma de cobra, mamava em segredo no peito da mãe. Aprendeu a fazer amizades com os humanos.
Com o passar do tempo, as duas cobras f**am muito grandes e nunca se dão bem uma com a outra. Caninana vive a destruir os homens, e Norato a defendê-los, vivendo no rastro da irmã para reverter suas maldades. Ela afunda embarcações abarrotadas de gente; ninguém escapa da ira de Caninana, que engole brincando indígenas, caboclos e portugueses.
Certo dia, os gêmeos brigam de verdade. Caninana é bem maior, mais forte e selvagem. O irmão Norato é menor e fraco, mas dotado de grande agilidade e esperteza. Norato consegue impedir uma grande tragédia provocada pela irmã, e os dois se enfrentam. Na briga, Caninana, querendo dar um basta nas intromissões de Norato, arranca um de seus olhos, e ele entende que a irmã enlouqueceu de vez. Ele, esperto, arruma um jeito de por fim nas suas bravezas e leva a briga para a vila de Óbidos, no Pará, localizada às margens do rio Amazonas.
Perseguido por Caninana, louca para matá-lo, Norato chega ao ponto mais estreito e profundo do rio e passa com facilidade, mas Caninana, sendo maior, f**a entalada e presa nas profundezas do Estreito de Óbidos. Enfim, sua maldade é contida, e permanece presa até os dias de hoje. Os indígenas e caboclos f**am livres das suas traquinagens e respiram aliviados.
O estreito de Óbidos desde então se torna perigoso para os navegantes. Mesmo presa, Caninana ainda se esforça para fazer o mal, cria redemoinhos no rio e suga os barcos que passam na superfície e come os homens que se afogam. O estreito é visado como local traiçoeiro de muitos acidentes.
E Norato, que fim levou? Desejou virar humano de uma vez por todas, mas precisaria se desencantar. Era preciso que, quando dormisse na forma de cobra, alguém pingasse três gotas de leite de mulher grávida em sua boca e desse um golpe de cutelo virgem e benzido em sua cabeça. Depois do processo, viraria homem mortal para sempre.
Porém, ninguém tinha a coragem e a proeza de realizar tal feito. Até que, tempos depois, na noite em que a vila de Óbidos ganha sua emancipação como cidade, Norato esteve na festa, bebendo e dançando durante a comemoração e conhece um soldado militar conhecido por suas bravuras e condecorações, e pede para o militar demonstrar sua coragem realizando a proeza que ninguém conseguia.
Após a festa, Norato desce à mata e vira cobra-grande e, no local marcado, adormece. O militar retira o leite do peito de sua esposa grávida, arruma um cutelo virgem e pede para o pároco benzer e corre para realizar o grande feito. Diante da imensa cobra, treme os ossos pela primeira vez em vida. Derrama o leite na boca da cobra e, sem hesitar, com um único golpe, enterra o cutelo na cabeça da cobra.
Imediatamente a cobra seca-se e arde em chamas e de dentro dela surge Norato humano e mortal como todos os homens.
Porém, f**a uma dúvida no ar... Será que Cobra Norato agiu certo com a irmã? Sem as maldades de Maria Caninana, os homens cresceram e se espalharam demais, destruíram as matas e rios e a Amazônia corre o risco de desaparecer. Talvez essa fosse a sina de Maria Caninana: conter a maldade humana para a Amazônia sempre existir, e a sina de Norato: conter os excessos da irmã, criando um equilíbrio entre homem e natureza. Entretanto, ele apaixonou-se demais pela humanidade, dando origem ao caos.
★Texto e ilustração(IA): Joseph Kalazans ✍️🏼
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