27/10/2024
Os dramas do mundo convidam-nos a regressar ao coração, pois que o ser humano «pela sua interioridade, transcende o universo das coisas: tal é o conhecimento profundo que ele alcança quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta os corações (cf. 1 Sm 16, 7; Jr 17, 10), o espera, e onde ele, sob o olhar do Senhor, decide da própria sorte».
Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese; onde os seres concretos encontram a fonte e a raiz de todas as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas. Movemo-nos, porém, em sociedades de consumidores em série, preocupados só com o agora e dominados pelos ritmos e ruídos da tecnologia, sem muita paciência para os processos que a interioridade exige. Na sociedade atual, o ser humano «corre o perigo de se desorientar do centro de si mesmo». «O homem contemporâneo encontra-se com frequência transtornado, dividido, quase privado de um princípio interior que crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir. Modelos de comportamento infelizmente bastante difundidos, exaltam a sua dimensão racional-tecnológica ou, ao contrário, a instintiva». Falta o coração. (Dilexit nos, 9)
A interioridade é o ato e esfera do coração. […] O homem está em intimidade com o seu íntimo no coração, não no espírito. Estar em intimidade com o íntimo, no espírito, não é do domínio humano. Mas quando o coração não vive, o homem encontra-se ao lado de si mesmo». No coração de cada pessoa se produz esta ligação paradoxal entre a valorização do próprio ser e a abertura aos outros, entre o encontro muito pessoal consigo mesmo e o dom de si aos outros. Só nos tornamos nós próprios quando adquirimos a capacidade de reconhecer o outro, e só encontra o outro quem é capaz de reconhecer e aceitar a própria identidade. O coração é também capaz de unificar e harmonizar a própria história pessoal, que parece fragmentada em mil pedaços, mas na qual tudo pode adquirir sentido.
Em última análise, poder-se-ia dizer que eu sou o meu coração, porque é ele que me distingue, que me molda na minha identidade espiritual e que me põe em comunhão com as outras pessoas. O algoritmo que atua no mundo digital mostra que os nossos pensamentos e as decisões da nossa vontade são muito mais “standard” do que pensávamos. São facilmente previsíveis e manipuláveis. Não é o caso do coração.
Então, em vez de procurar uma satisfação superficial e de representar um papel diante dos outros, é melhor deixar que surjam perguntas decisivas: quem realmente sou? O que procuro? Que sentido quero dar à vida, às minhas escolhas e ações? Por que razão e para que fim estou neste mundo? Como vou querer avaliar a minha existência quando ela terminar? Que sentido quero dar a tudo o que vivo? Quem quero ser perante os outros? Quem sou diante de Deus? Estas perguntas conduzem-me ao meu coração. Regressar ao coração.
Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese;...