22/02/2019
Se dedicarmos um pouco do nosso tempo para pensar sobre o tema, se tentarmos examinar nossas sensações de medo, a origem delas, a forma na qual ele nos habita, logo perceberemos que a sensação de medo pode ter uma diversidade de texturas.
Há pelo menos dois principais tipos de medo:
I- O primeiro, se situa em um campo muito concreto e lógico, está na ordem da perda, a morte é sua principal característica. É muito comum termos essa forma de medo. Temos medo da morte de um relacionamento (separação), temos medo da morte de ente querido, temos medo da nossa morte, temos medo da morte de uma parte do nosso corpo (acidentes), temos medo da morte do lugar em que vivemos (mudanças), medo da morte de um sonho (frustração) ou até mesmo medo da morte de um jeito (mudança de identidade).
II- O segundo tipo de medo é mais enigmático, de difícil descrição, até podemos chamá-lo de obscuro. O nosso corpo sente o medo, mas não conseguimos pensar porque o sentimos. Ele parece estar na ordem do que é fantasmático, uma espécie de horror, parece não ter história. Muitas vezes o denominamos como vazio e angústia. Ele parece ter surgido numa tarde qualquer e com o passar do tempo tomou conta da casa. Ele também pode estar associado a fatores comuns como as perdas, mas o sentimos de maneira muito diferente, muito mais intensa, incontrolável e até mesmo imobilizador.
Esse segundo medo te parece pior que o primeiro?
De fato, esse segundo medo nos amedronta mais, já que nem nos percebemos amedrontados.
Como podemos entendê-lo?
Os medos inomináveis podem se perder em meio a dor que representam, mas com um pouco de resiliência conseguimos lhes dar nome, temos que ser insistente, refletir muito, falar muito. De pouco a pouco podemos dar sentido a ele, só assim conseguimos seu endereço, seu nascimento.
Uma característica importante do ser humano é sua tendência a organização, a todo momento precisamos nos organizar, encaixotar nossos pensamentos, sentimentos, torna-los conscientes e acessíveis. Todo sentimento que parece não ter origem, significado, história, nos incomoda profundamente, pois sugere o descontrole, a frustração. O inominável é sentimento puro a procura de uma palavra, a procura de entendimento e explicação.
Tudo que é descontrole é visto como estrangeiro, como não nosso, como insuportável. Podemos dizer até que este medo é gerador de algumas fantasias com o sobrenatural, enquanto uma tentativa mental de dar vazão a estes sentimentos utilizando-se de uma imagem representativa, uma imagem que dê coesão e sentido a situação emocional interna.
Refletir sobre nossos medos é de extrema importância para que possamos organizá-los, catalogá-los, estudá-los. É muito provável que um medo não nominado nos atrapalhe em nossas vidas, que ele nos imobilize, que pouco a pouco vá nos impedindo de desejar.
Por conta disso, precisamos refletir, precisamos insistir sobre os pensamentos que nos incomodam, avançar sobre a muralha que as vezes lhes tornam intactos.
Se houver muita dificuldade nesse processo, poder contar com o auxílio do outro é extremamente importante, mesmo que solicitar esta ajuda também seja um ato temeroso. Mas uma boa conversa nos mostra quanto parecidos somos uns aos outros.
Além disso existem profissionais habilitados, que estudaram a etiologia dos medos, que podem estar com você nesse processo de descoberta. E neste sentido, o processo terapêutico com um psicólogo tem muito a oferecer.
Afinal de contas, quem é o medo senão eu mesmo....
Pintura do polonês Zdislaw Bezinski.