13/12/2024
"Letras Musicais"
(por Paulo Urban)
A Música expressa aquilo tudo que não pode ser dito em palavras e ao mesmo tempo não pode permanecer em silêncio", disse certa feita o grande literato francês Victor Hugo (1802-1885).
Não à toa, Arthur Schopenhauer (1788-1860), ao discorrer acerca da música, elevou-a ao mais alto grau entre as artes. Cá de meu lado, o que observo, brevemente falando, ainda impactado pelo "(Oratório) Davide Penitente", de Wolfgang Mozart (1756-17891), sob cujos penetrantes acordes hoje cedo acordei (e os ouço ainda agora em minh’alma), é que entre música e linguagem há impressionantes correspondências não somente de ordem física ou estrutural, mas também metafísica. Ora, bem sabemos que a música "per si" não raciocina nem faz filosofa, não tece histórias nem enredos, nem pinta quadros, muito embora tenha o poder de suscitar imagens em todo aquele que a ouve, permitindo à imaginação tanto 'enxergar cenas’ quanto ‘ler histórias' em acordo com suas composições. A rigor, a linguagem da música é propriamente a das emoções, e seu maior papel talvez esteja em sua propriedade de motivar (e desencadear) em nós toda gama de sentimentos, capazes tanto de nos mover quanto nos comover, a aflorar os mais diferentes estados de humor.
Mas, comparando grosso modo a linguagem escrita à musical, várias analogias encontram sentido:
a) Assim como nos valemos das letras (signos) do alfabeto ao redigir cartas, histórias, livros..., a música igualmente pode ser escrita por meio de notas, incluindo seus tons e meios-tons, com seus respectivos acidentes e acentos de interpretação.
b) Se há uma etimologia preocupada em revelar a origem e o sentido das palavras, de mesmo modo, temos na música, várias teorias das origens dos acordes.
c) Se a linguagem escrita exige uma gramática que a normatize, a conferir sua sintaxe (a dar compreensão àquilo tudo que queremos por escrito ou através da fala expressar), na música encontramos a progressão harmônica dos acordes, a bem regrar sua ordem na pauta ou pentagrama (as linhas do 'caderno do músico'), a dar assim todo um 'colorido de sintaxe' ao 'texto musical’, formado sempre e propriamente pelo conjunto de suas 'frases musicais'.
d) Além disso, bons escritores que se preocupam em fazer literatura valem-se das figuras de linguagem e pensamento, recursos estes que equivalem aos acordes dissonantes criados nas frases musicais para que depois se resolvam melodicamente, bem como outros tantos artifícios mais elaborados, próprios da expressão musical, que igualmente colaboram para uma tessitura mais sensível e complexa, dessas que permitem, por exemplo, a Schopenhauer, enxergar na música a mais nobre das artes.
E quanto à óbvia pergunta que alguns amigos devam estar se fazendo ao lerem isto, antecipadamente já vou aqui lhes respondendo: Não, eu não sou músico, absolutamente. Estas breves linhas são fruto de uma reflexão matinal, inspiradas pelo grande Mozart, e são parte também desta minha apaixonada predileção por mestre Pitágoras (séc. VI a.C.). Sendo mais exato, esclareço: não passo de um mero soprador de flautas; malgrado os dois anos de estudo de flauta transversal, jamais encontrei a competência ou o talento que me transformasse num flautista de verdade. Mas sigo soprando minha flauta para desespero dos vizinhos, seja ela doce ou transversal, do mesmo modo que sigo vida afora soprando vidros na pretensão de um dia, quem sabe, fazer-me alquimista. Por enquanto, ouvindo Palestrina e Monteverdi, ambos alquimistas da ‘Camerata Florentina’, apenas faço suspeitar do perdido segredo da nobre arte dos filósofos, cantada e decantada toda ela (a Grande Obra), em música, prosa e verso pelos velhos mestres esotéricos.
Afinal, “O Universo é Número”, diria Pitágoras, ‘e a música, nada mais que a expressão sensível do divino canto das Esferas’.