02/09/2018
https://www.viomundo.com.br/blog-da-saude/alexandra-mello-sera-que-so-as-criancas-estao-precisando-de-limites.html
Será que só as crianças estão precisando de limites?
Quando uma criança está desobediente, indisciplinada e não respeita as regras de convivência, é comum escutarmos frases como, “esse menino tá precisando é de limite!”.
É geralmente um julgamento aos pais, que deveriam ter imposto um limite e não o fizeram.
Mas qual é o significado dessa palavra?
Limite significa linha de demarcação, real ou imaginária, que delimita e separa um território de outro.
Limite é fronteira. E fronteiras existem para serem respeitadas, mas também ultrapassadas.
Na educação, portanto, há duas outras maneiras para aplicarmos esse conceito e sobre as quais pouco paramos para pensar.
Uma delas, como fronteira, que ao contrário do primeiro caso, convém que seja transposta pela criança.
A outra, como fronteira também, mas que o outro — pais ou professores — é que não deve ultrapassar. Diz respeito à privacidade e à intimidade da criança (1). Uma educação que se pauta pela imposição das regras e das leis pela figura da autoridade e que, da criança, espera apenas o comportamento obediente para cumpri-las, está desprezando estas outras dimensões do limite.
Um exemplo concreto de cerceamento desta superação é quando um professor considera errada uma resposta final de um problema matemático, na qual o aluno chegou mentalmente, sem precisar armar a conta no papel, como foi aprendido na sala de aula.
Ora, se a criança tem condições de fazer cálculo mental, sem a necessidade da técnica transmitida pelo adulto (o algoritmo), ela deve ser valorizada por isso e não punida. Ela ultrapassou um limite, no sentido da superação e não da transgressão. O que não quer dizer que não precise aprender as técnicas definidas socialmente.
E quando o professor estimula a excelência das crianças no que se refere ao desempenho acadêmico, estimulando-as a tirar boas notas? Não está valorizando a superação de fronteiras?
Se consegue fazer isso, não apenas transmitindo o conhecimento pronto, mas respeitando as estratégias e os caminhos que a criança constrói, sim. Está estimulando uma superação intelectual, cognitiva.
Mas é também no campo da moralidade que essa transposição precisa se dar. Talvez até mais do que em qualquer outro. Quando a criança apenas obedece regras e a ela não é permitido que as questione, está impedida de ultrapassar fronteiras. De explorar terrenos desconhecidos.
Se, ao contrário, questiona uma regra imposta, mesmo tendo que ter claro que precisa respeitá-la (se e enquanto ela existe), ela está em movimento e não numa atitude passiva e inercial, que lhe deixa naquele terreno conhecido e “seguro”, controlado pelo outro.
Como superar limites sem sair do lugar, sem arriscar, sem questionar?
Esse exercício, que também é intelectual, certamente vai contribuir para a tal excelência acadêmica que tanto se valoriza. Porque qualquer pessoa (e não é diferente com as crianças) que se sente respeitada na sua liberdade de escolha ou, ao menos, de opinião, estará mais motivada para qualquer aprendizagem ou trabalho.
Pais e professores também precisam de limites (aqueles primeiros, os restritivos) para respeitar a privacidade de seus filhos e alunos. Ultrapassar essa fronteira significa invadir um terreno que não lhes pertence, mesmo que seja com as melhores intenções e “por amor”.
Invadir a intimidade do filho para conhecê-la e assim protegê-lo do mal não é necessariamente uma maneira de amar ou de demonstrar amor. Confiar nele e na educação que tem dado e com isso, conquistar sua confiança, pode ser prova maior.
Na escola, essa ultrapassagem indevida acontece, por exemplo, quando uma criança pequena é obrigada a se apresentar num palco, porque todos os coleguinhas farão isso.
Dependendo das razões que ela pode ter para não ir (que seja “apenas” timidez), isso pode ser muito amedrontador. É um direito seu escolher se expor publicamente ou não. É o seu corpo, a sua voz que ela será forçada a mostrar, sem que lhe tenha sido perguntado se quer ou não. Se consegue ou não. Muitas vezes, aquele comportamento desobediente e indisciplinado do “menino que tá precisando de limite” é apenas um pedido para que os adultos se lembrem das outras fronteiras.
(1) Limites: Três Dimensões Educacionais, Yves de La Taille, Editora Ática