Saúde mental e espiritual com Mary

Saúde mental e espiritual com Mary Psicóloga, Psicanalista,
Escritora, Palestrante,
Pós graduada em Literatura, Artes e Filosofia.

PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA, ARTES E FILOSOFIAA BANALIDADE DO MAL EM HANNA ARENDT: O ANTISSEMITISMO E O CAMINHAR DA HUMA...
10/03/2025

PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA, ARTES E FILOSOFIA

A BANALIDADE DO MAL EM HANNA ARENDT: O ANTISSEMITISMO E O CAMINHAR DA HUMANIDADE DEPOIS DE AUSCHWITZ

MARY KIRSCHBAUM

Orientador: LUIS ROSENFIELD
Ano: 2024

RESUMO

Este trabalho investiga o conceito da “banalidade do mal” desenvolvido por Hannah Arendt, relacionando-o ao antissemitismo e à violência sistemática na história contemporânea. A pesquisa analisa como o nazismo, por meio da burocratização do extermínio, promoveu uma desumanização que se perpetua em diferentes contextos históricos e políticos. A partir da leitura de Arendt, bem como dos testemunhos de Primo Levi e das reflexões filosóf**as de Theodor W. Adorno sobre a educação pós- Auschwitz, discute-se o impacto do Holocausto e a persistência de discursos antissemitas. Além disso, o trabalho problematiza as manifestações contemporâneas de intolerância e extremismo, destacando a necessidade da memória histórica para evitar a repetição da barbárie.

Palavras-chave: banalidade do mal; nazismo; holocausto; antissemitismo; memória histórica.

INTRODUÇÃO

O problema do mal tem sido um dos grandes temas da filosofia ao longo da história.
Desde as reflexões teológicas sobre o livre-arbítrio até abordagens políticas e sociológicas, diferentes pensadores buscaram compreender suas origens e manifestações. Neste trabalho, investiga-se o conceito da “banalidade do mal”, desenvolvido por Hannah Arendt, a partir da análise do julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pela logística do holocausto. Arendt argumenta que a maldade extrema pode ser exercida por indivíduos comuns, que cumprem ordens sem reflexão crítica, tornando-se peças de uma máquina burocrática de destruição.
A pesquisa examina o fenômeno do antissemitismo, desde suas raízes históricas até suas expressões no século XXI, problematizando sua relação com o discurso político e a violência sistemática. Para isso, além das reflexões de Arendt, são mobilizados autores como Theodor W. Adorno, que discute a necessidade de uma educação voltada para evitar a repetição da barbárie, e Primo Levi, cuja obra testemunha os horrores dos campos de extermínio nazistas.
O objetivo deste estudo é compreender como a banalização do mal se manifesta historicamente e quais são suas implicações na atualidade. Para tanto, investiga-se a ascensão do nazismo, a perseguição aos judeus e a estrutura burocrática que viabilizou o genocídio. Posteriormente, o trabalho analisa como o Holocausto influenciou o pensamento filosófico contemporâneo e de que maneira seus ecos ainda ressoam em discursos de ódio e movimentos extremistas atuais.
Desta forma, busca-se contribuir para o debate sobre a necessidade da memória histórica como ferramenta essencial na construção de uma sociedade democrática e na prevenção de novas formas de totalitarismo e intolerância.

DESENVOLVIMENTO

1. A TEORIA DE HANNA ARENDT: A BANALIDADE DO MAL

A filósofa Hannah Arendt (1906-1975) dedicou grande parte de sua obra à compreensão dos regimes totalitários e dos mecanismos de desumanização presentes na modernidade.
Em Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a Banalidade do Mal (1963), Arendt analisa o julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais responsáveis pela logística da Solução Final nazista. O aspecto central de sua teoria reside na observação de que Eichmann não demonstrava traços de crueldade ou fanatismo ideológico, mas agia como um burocrata, executando ordens sem questionamento moral.
Arendt sustenta que o mal pode ser perpetrado por indivíduos comuns, que não necessariamente compartilham de um ódio ativo, mas cumprem suas funções dentro de uma estrutura hierárquica impessoal. A banalidade do mal, portanto não reside na monstruosidade do agente, mas na ausência de pensamento crítico e no conformismo diante da autoridade.
Essa reflexão gerou intensos debates, pois muitos interpretaram sua tese como tentativa de minimizar a responsabilidade de Eichmann e outros criminosos nazistas.
No entanto, Arendt argumentava que o problema maior estava na estrutura que permitia que indivíduos como Eichmann agissem sem sentir culpa ou remorso. Segundo Arendt (1999, p.287), “Os atos eram monstruosos, mas quem os fazia era absolutamente mediano, banal, e sem traços demoníacos”.

2. TOTALITARISMOS, BUROCRACIA E A DESUMANIZAÇÃO NA MODERNIDADE

Arendt (1989, p.55) argumenta que: O Totalitarismo não governa apenas através das leis, mas sim através de um sistema que elimina a distinção entre público e privado. Ele cria um estado de constante vigilância e medo, onde os cidadãos se tornam peças de uma máquina burocrática impessoal.
Hannah Arendt identificou, portanto, no totalitarismo uma forma de governo que anula a individualidade dos cidadãos, transformando-os em meras engrenagens de um sistema opressor. No regime nazista, a desumanização ocorreu por meio da burocratização da violência, tornando o extermínio de milhões de judeus, uma operação logística eficiente.
A impessoalidade do mal é um dos aspectos mais perturbadores do Holocausto: muitos dos responsáveis pelo genocídio não eram sádicos explícitos, mas indivíduos que seguiam ordens sem reflexão. Como Adorno aponta em Educação Após Auschwitz (1965), a barbárie não foi um evento isolado, mas um sintoma de uma sociedade que falhou em desenvolver uma consciência crítica coletiva.
A conexão entre técnica, burocracia e desumanização também se reflete em regimes contemporâneos, nos quais o discurso de ódio e a supressão de direitos são normalizados.
O alerta de Arendt e Adorno continua relevante na análise dos mecanismos políticos que permitem a perpetuação do autoritarismo e da intolerância.

3. O HOLOCAUSTO, O NAZISMO E O EXTERMÍNIO DE JUDEUS

O Holocausto foi um dos maiores crimes contra a humanidade, resultando no assassinato de seis milhões de judeus.
O extermínio sistemático, planejado burocraticamente, reflete os perigos da ideologia totalitária e do ódio institucionalizado.
Para os nazistas, os judeus impediam a “legítima” e necessária ascensão do povo alemão, e por isso mereciam ser exterminados.
O Holocausto foi o genocídio de judeus cometido pelos nazistas durante a segunda guerra mundial (1939-1945) e resultou na morte de seis milhões de judeus.
A Shoah (catástrofe em hebraico), foi o resultado final de um processo de construção do ódio de uma nação contra um grupo específico que vivia na Europa.
O antissemitismo (termo que se dá ao preconceito contra populações de origem semita, como os judeus), na Alemanha não surgiu com o nazismo e remonta a meados do século XIX, em movimentos nacionalistas.
Quando o partido nazista surgiu, em 1920, o antissemitismo era um elemento que já fazia parte da plataforma do partido e os historiadores acreditam que Adolf Hi**er tornou-se antissemita em algum momento de sua juventude, quando vivia em Viena, Áustria.
A presença do antissemitismo no nazismo, durante sua fundação, era perceptível no programa do partido, que afirmava que nenhum judeu poderia ser considerado cidadão alemão. O antissemitismo alemão partia do pressuposto de que a raça alemã era superior e de que os judeus eram responsáveis por todos os males da sociedade alemã. Hi**er e os nazistas começaram por colocar nos judeus a culpa da derrota alemã na primeira guerra mundial. Diziam que os judeus teriam um plano de dominação mundial e criticavam contundentemente o liberalismo econômico e o capitalismo financeiro, pois afirmavam que ambos eram dominados pelos judeus.
Quando os nazistas assumiram o poder na Alemanha, em 1933, o processo de exclusão e de violência contra os judeus foi iniciado de maneira progressiva. O discurso nazista, aliado à doutrinação realizada na sociedade alemã, tornou os judeus bodes expiatórios e vítimas de perseguição intensa, não só por parte do governo, mas também pelos civis.
Uma das primeiras ações tomadas pelos nazistas contra os judeus foi uma lei, aprovada em 7 de abril de 1933, chamada “Berufsbeamtengesetz”, traduzida para o português como “Lei para restauração do serviço Público Profissional”. Essa lei proibia definitivamente os judeus de atuarem em cargos públicos. Outras leis do tipo foram aprovadas para outros ofícios, como médicos e advogados. Além das leis, os judeus eram alvos de ataques promovidos pelas tropas de assalto nazistas (SA) e tinham suas lojas boicotadas a nível nacional. Com o passar do tempo, novas ações contra os judeus foram sendo organizadas na Alemanha. Essa perseguição forçou milhares de judeus a fugirem do país, mas muitos outros não conseguiram, pois, nenhum país estava disposto a recebê-los. Na década de 1930, duas medidas tomadas por Hi**er simbolizaram o reforço do antissemitismo na Alemanha: As leis de Nuremberg e a noite dos Cristais. As leis de Nuremberg foram um conjunto de três leis, aprovadas no ano de 1935, que legislavam sobre miscigenação, a bandeira e a cidadania alemã. As duas leis que se relacionavam diretamente com o antissemitismo na Alemanha eram a Lei de Proteção do Sangue e da Honra Alemã e a Lei de Cidadania do Reich. A primeira lei tratava a respeito da miscigenação, proibindo que judeus e não judeus casassem-se, além de proibir também que não judeus tivessem relações se***is com judeus. Essa lei também falava que judeus não poderiam ter empregadas domésticas com idade inferior a 45 anos, nem portar as cores do Reich (preto, vermelho e branco). A segunda tratava a respeito da cidadania, basicamente definindo quem era cidadão e quem não era. Segundo essa lei, todas as pessoas que tivessem três quartos de sangue judeu ou fossem praticantes do judaísmo seriam consideradas judias e automaticamente não teriam direito à cidadania. Com isso, os judeus eram considerados apenas ‘sujeitos de Estado’ e eram pessoas que tinham de cumprir suas obrigações, mas não tinham direito a receber nada do que um cidadão receberia. Em relação a “Noite dos Cristais”, ela foi um marco na história do antissemitismo porque oficializou um ponto de partida para o aumento da violência contra os judeus na Alemanha. Esse acontecimento passou-se em 1939 e é definido como “Pogrom”, isto é, um ataque violento que é organizado contra um grupo específico.
Os ataques da noite de Cristal iniciaram-se na noite de 9 de novembro de 1930 e estenderam-se até a metade do dia seguinte. Membros do partido nazista, partiram para um ato de violência inédita na Alemanha. Casas, sinagogas, estabelecimentos e orfanatos foram atacados com os agressores destruindo o que encontravam pela frente, agredindo as pessoas que estavam nesses locais e, por fim incendiando as construções. Especula-se que os mortos nesse ataque possam ter chegado à casa dos milhares e a “Noite dos Cristais” também inaugurou o aprisionamento de judeus em campos de concentração, pois, durante o “Pogrom”,30 mil judeus foram presos e encaminhados para Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen.
“A SOLUÇÃO FINAL”, foi discutida, com o início da segunda Guerra, em 1939, pela cúpula do partido nazista, para resolver a “questão judia” na Europa.
Apesar do aprisionamento de judeus em campos de concentração ter sido iniciado ainda em 1930; esses locais não haviam sido preparados para serem locais de extermínio como aconteceu durante a guerra. Quando a guerra começou, os judeus no Leste da Europa começaram a ser agrupados em guetos, um local específico da cidade que era cercado pelas tropas nazistas e separado especif**amente para o abrigo de judeus. E mais tarde eram enviados para os campos de concentração e extermínio. Os nazistas debatiam soluções a serem colocadas em prática para lidar com a “questão judia”; como deportar os judeus para a União Soviética, mas Stalin não aceitou recebê-los. Outro plano ficou conhecido como “Plano Madagascar”, em que os nazistas cogitaram deportar os judeus da Europa para a ilha de Madagascar, na África.
Quando a solução final foi elaborada, pelos arquitetos do Holocausto (Reinhard Heydrich e Heinrich Himmler); Os judeus que não pudessem trabalhar teriam que sumir e os fisicamente capazes de trabalhar seriam usados como mão de obra na União Soviética conquistada até que morressem. Esses grupos de extermínio atuaram na Polônia, nos países bálticos e na parte do território soviético que os nazistas estavam ocupando. Fuzilavam os judeus nestas áreas. Colocavam eles reunidos, posicionados, nus em frente a uma vala comum e fuzilavam um a um até que toda a população judia nesses locais estivesse morta.
Assim se matou na Lituânia, 114.856 judeus, na Letônia, 69.750 e na Estônia: 963.
Os judeus de Kiev foram reunidos em um ponto da cidade e fuzilados durante um período de 36 horas, resultando 33.761 mortes desse massacre. E todos foram depositados em uma vala comum. Ainda assim, a velocidade com que estes grupos de extermínio faziam a “limpeza étnica” era abaixo do que os nazistas desejavam. Em algum momento também, o envolvimento dos soldados em uma quantidade assombrosa de execuções trazia-lhes graves problemas psicológicos. Isso forçou os nazistas a pensarem em uma alternativa que fizesse o genocídio de judeus acontecer de maneira mais ágil e impessoal. Aí a solução encontrada pelos nazistas de promover a execução de judeus em câmaras de gás, que foram sendo instaladas nos campos de concentração. E foram construídos seis campos de extermínio cujo intuito era unicamente promover a execução de judeus. A diferença é que, nos campos de concentração, os judeus, além de executados, também tinham sua mão de obra explorada ao máximo. Os campos de extermínio foram construídos em 1941 na Polônia.
Se assassinaram então, por asfixia nas câmaras de gás: Em Aushwitz- Birkenau: 1,2 milhão, em Treblinka: 900.000, em Belzec: 400.000 em Sobibor: 170.000, em Chelmno: 150.000, em Majdanek: aproximadamente 80.000 mortos. Dos horrores cometidos nos campos de concentração, destacaram-se a jornada de trabalho extenuante, os maus-tratos diários e as péssimas condições de higiene. Os prisioneiros f**avam em alojamentos abarrotados de pessoas e eram mal alimentados. Execuções sumárias sem motivação aparente aconteciam como forma de tortura psicológica aos prisioneiros, além das execuções nas câmaras de gás.
Os prisioneiros recebiam roupas insuficientes para o inverno, recolhidas antes do frio acabar. Eram obrigados a aguentar pulgas e percevejos nos alojamentos. Quando adoeciam não tinham tratamento suficiente. Além de serem cobaias humanas para experimentos por médicos nazistas. Bem, os prisioneiros foram sendo libertados à medida que os nazistas foram perdendo a segunda guerra mundial, mas no decorrer em que suas posições no leste Europeu eram ameaçadas, os nazistas intensif**aram a velocidade das execuções de judeus nas câmaras de gás, além de terem tentado ocultar os indícios do genocídio, seja com a destruição de documentos, seja com a exumação dos corpos.

4. PRIMO LEVI, O TESTEMUNHO ENTRE A MEMÓRIA E O NEGACIONISMO

Primo Levi, em sua obra: “Se isto é um Homem”, oferece um testemunho fundamental sobre a vida nos campos de concentração, expondo a brutalidade da experiência e a degradação da condição humana imposta pelo regime nazista. O relato de Levi reforça a importância da memória histórica como meio de evitar a repetição de tais atrocidades.
Contudo, o Holocausto continua a ser alvo de tentativas de negação e revisionismo.
Movimentos negacionistas distorcem ou minimizam os fatos históricos, promovendo discursos antissemitas que se alimentam da desinformação e da intolerância.
A luta contra o negacionismo, portanto, não é apenas uma questão de justiça histórica, mas uma necessidade para a preservação dos valores democráticos.

A. O TESTEMUNHO:

O químico e escritor italiano, Primo Levi (1919-1987), sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau; contou em uma carta para sua família, em 1945, sendo ele o primeiro testemunho da deportação; como foi preso em 1943, numa blitz da milícia republicana. A partir daí foi deportado, junto com outros companheiros, que eram de um “bando de resistência” em Brusson (Aosta). 650 pessoas desesperadas, com crianças, mulheres, velhos, partiram apinhados nos vagões, 4 dias e 4 noites de viagem sem dormir e sem água. Quando o trem parou, estavam em Auschwitz. De todo o comboio, só 15 pessoas sobraram vivas. Todo o grupo dos não válidos foi para a câmara de gás. Rasparam seus cabelos, tatuaram números em seus braços, tiraram suas roupas e puseram no lugar trapos imundos listrados. “Não éramos mais homens” (LEVI, 2015, p112). No dia seguinte a chegada, começa o trabalho, e para quem não morreu, continua por mais 11 meses, sem nenhum dia de descanso. Há quem quebra pedras, quem descarrega tijolos, quem cava a terra, quem carrega sacos de carvão e cimento. Como ninguém entende alemão, apanha sem parar. Apesar do frio intenso com neve, f**am o dia inteiro ao ar livre, mesmo na chuva. Se passa fome o tempo todo. Despertador as quatro da manhã. Se dorme em dois por beliche, 200 em cada pavilhão de madeira. No campo são 10.000. Doentes graves desaparecem. Vão para outro campo, onde tudo é muito organizado e a câmara de gases tóxicos e o crematório funcionam sem interrupção. Nem precisa estar doente, apenas estar fraco ou muito velho; ou mesmo ter apenas um momento de azar. A todo tempo se fazem seleções, julgando-os aptos ou não aptos a fornecer mais trabalho útil. Quatro milhões de judeus cruzaram a soleira da câmara de gás. Por três anos a chaminé obscureceu o céu. Mas tudo acontece de forma metódica, da maneira mais econômica: antes da cremação, são removidos os dentes de ouro dos cadáveres, as cinzas, como material fosfatado, vão para as estações experimentais de agronomia.
Em janeiro de 1945, os russos marcharam com suas forças sobre Cracóvia: No dia 17, os alemães decidiram evacuar a área, reuniram todos os válidos e os arrastaram com eles. Poucos deles se salvaram: alguns foram mortos pelos alemães, parte deles morreu de frio e fome. Primo Levi havia contraído cinco dias antes escarlatina e ficou. Ele diz: “É difícil não pensar em um milagre; nunca tinha f**ado doente antes”. Foram então abandonados à própria sorte por 10 dias. Eram 800; durante este período, 200 morreram de fome, frio e doenças. A patrulha russa chega no décimo primeiro dia. Aí Primo Levi conta que a história f**a menos trágica. Depois de alguns acampamentos russos, chega em 15 de setembro a ordem de repatriação. Fez uma viagem durante 35 dias, passando pela Ucrânia, Romênia, Hungria, Eslováquia e Áustria. Chega em casa 19 de outubro com barba longa, vestido de soldado russo. Primo Levi conta que perdeu seus melhores amigos, e obviamente tudo o que possuía. (São Paulo: Humanitas, 2019.
B.MEMÓRIA DO HOLOCAUSTO:

A coragem de lembrar e o dever de contar.

Primo Levi teve a força que brotou da vontade daqueles que dominaram o medo. Sua história nasce da raiva dos ferimentos sofridos, físicos e principalmente psicológicos; que o levaram a querer contar imediatamente o que os outros sobreviventes dos campos de extermínio calaram por quase trinta anos, com medo de não serem acreditados.
27 de janeiro assinala-se, anualmente, o “Dia Internacional em memória das vítimas do Holocausto”. Este dia foi implementado através de uma resolução da Assembleia Geral da ONU, a 1 de novembro de 2005. O propósito deste dia é não esquecer o genocídio em massa de seis milhões de judeus pelos N***s e respectivos colaboracionistas. Este constitui um dos maiores crimes contra a humanidade de que há memória. Por outro lado, pretende-se educar para a tolerância e a paz bem como alertar para o combate ao antissemitismo.

5.EDUCAÇÃO APÓS AUSCHWITZ: THEODOR W. ADORNO E A PREVENÇÃO DA BARBÁRIE

THEODOR ADORNO, Filósofo alemão (1903 – 1969), pensador da escola de Frankfurt diz que escrever depois de Auschwitz é o triunfo da liberdade sobre o totalitarismo. Segundo Adorno, após Auschwitz a grande tarefa da educação é evitar a repetição da barbárie nazifascista. “Educação após Auschwitz” é um texto que resulta de uma palestra feita por Theodor Adorno em 1965 e publicado em 1967. Trata-se da reflexão de um dos principais pensadores alemães sobre a contradição que a barbárie praticada pelos nazistas contra os prisioneiros dos campos de concentração representou diante dos pressupostos da civilização europeia.
Como aquilo foi possível?
Segundo este texto, a exigência de que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. Não se necessitaria ter de justif**ar o porquê. Justif**ar o porquê, segundo Adorno, teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas. “Fala-se da ameaça de uma regressão à barbárie. Mas não se trata de uma ameaça, pois Auschwitz foi a regressão; a barbárie continuará existindo enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão.” (ADORNO, 2003).

Adorno fala que segundo Freud, nos seus ensaios: “O mal-estar na cultura e Psicologia das massas e Análise do eu”, a civilização origina e fortalece o que é anticivilizatório. Segundo Freud, então, a barbárie encontra-se no próprio princípio civilizatório. Milhões de pessoas inocentes (e só o simples fato de citar números já é humanamente indigno), foram assassinadas de uma maneira planejada. “Isto não pode ser minimizado, por nenhuma pessoa viva como sendo um fenômeno superficial, como sendo uma aberração no curso da história, que não importa, em face da tendência dominante do progresso, do esclarecimento, do humanismo supostamente crescente”. (ADORNO,2003) O texto diz que precisamos buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas, assassinadas sob os pretextos mais mesquinhos. O que leva as pessoas a cometerem tais atos? Precisamos entender isto, segundo Adorno; reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos; é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios para impedi-los de cometerem novamente. Deve-se então fazer com que as pessoas tenham consciência dos seus atos, evitando que estas façam atos bárbaros, desprovidas da reflexão a respeito de si próprias. “Culpados são unicamente os que, desprovidos de consciência, voltaram Contra aqueles seus ódios e sua fúria agressiva.” (ADORNO, 2003)
Então na educação se faria uma autorreflexão crítica. Contudo, na psicologia, vemos que todo caráter, inclusive nos que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância, então, segundo Adorno, a educação que tem por objetivo evitar a repetição, precisa se concentrar na primeira infância. Segundo Adorno, em uma perspectiva sociológica, nossa sociedade, ao mesmo tempo que se integra cada vez mais, gera tendências de desagregação. A pressão do geral dominante sobre tudo que é particular, faz com que as pessoas percam suas qualidades, destroçando o particular e individual e f**am sem defesas para resistir ou se contrapor ao que em qualquer tempo seduziria ao crime. “Talvez elas mal tenham condições de resistir quando lhes é ordenado pelas forças estabelecidas que repitam tudo de novo, desde que apenas seja em nome de quaisquer ideais de pouca ou nenhuma credibilidade”. (ADORNO, 2003).
Quando Adorno fala de educação após Auschwitz, ele se refere então primeiramente à importância da educação infantil, sobretudo na primeira infância e ao esclarecimento geral, produzindo um clima intelectual, cultural e social que não permite tal repetição; portanto trazendo os motivos que conduziram ao horror tornarem-se conscientes.

7 .SOBRE AQUILO QUE NÃO SE PODE FALAR: A POESIA DEPOIS DE AUSCHWITZ EM THEODOR W.ADORNO.

Em seu texto: “Crítica Cultural e Sociedade”, de 1949, Adorno diz que escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro. Ele quer dizer com isso que qualquer forma de expressão, não só relativa à poesia, mas qualquer atividade humana, como comer, dançar e enfim o próprio viver; não seriam possíveis após tanta barbárie. Como recomeçar após tanta barbárie? Esta pergunta, apesar de pessimista, mostra um realismo que em certos momentos põe-se diante dos acontecimentos com uma simples humildade de incompreensão frente ao indizível e inominável. É válida, segundo Adorno, a composição de poemas, depois de Auschwitz, para a reflexão depois desse momento de atrocidade. Porque sem essa memória, quem não foi envolvido e quem nem nasceu na época, poderá não saber o que ocorreu. Todo olhar de Adorno é voltado para a condição humana imposta após essa catástrofe que nos obriga a uma permanente crítica imanente ao existente. Para ele, Auschwitz é o próprio símbolo da consciência “coisif**ada”, mas é também o símbolo da modernidade e de uma civilização afetada pela racionalidade técnico instrumental.
Criado sob a mão humana, Auschwitz nasce a partir de uma exigência de ler a contrapelo o processo histórico da catástrofe racionalmente planejada.
Quando Adorno afirma que: “escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que se tornou impossível escrever poemas”, o filósofo propõe a necessidade de refletir sobre a tensão entre barbárie e representação. Sendo assim, o aniquilamento do homem também ecoou no aniquilamento da utopia humanista, corroendo o poder explicativo da razão e a crença no conhecimento como força de civilização. A existência real de Auschwitz compactua no caminho de uma teoria social que critique no instrumento enorme da indústria cultural. Ao procurar compreender os fatos daquele campo de concentração devemos nos ater ao que é oferecido pela indústria cultural ligados ao holocausto. A divulgação massif**ada por holocausto assegura também que Auschwitz permanece sem compreensão e, portanto, algo que não se pode falar. O uso da palavra holocausto em troca de Auschwitz permite retirar toda a dor e sofrimento que essa palavra ainda representa nas pessoas afetadas direta e indiretamente, como um aviso do horror que o homem é capaz de realizar com seu semelhante.
Através de Agamben, “Auschwitz marca o fim e a ruína de qualquer ética da dignidade e da adequação a uma norma. Avida nua, a que o homem foi reduzido, não exige nem se adapta a nada: ela própria é a única norma, é absolutamente imanente. E “o sentimento último de pertencimento à espécie” não pode ser, em nenhum caso, uma dignidade.” (AGAMBEN, 2008).

CONCLUSÃO

A banalidade do mal, conforme formulada por Hannah Arendt, nos alerta para os perigos da obediência irrefletida e da burocratização da violência. O Holocausto foi o exemplo máximo dessa lógica perversa, mas suas lições continuam essenciais na atualidade. O aumento do antissemitismo, os discursos de ódio e os regimes autoritários contemporâneos demonstram que a barbárie não foi erradicada.
A memória histórica e a educação crítica são ferramentas fundamentais para evitar que os erros do passado se repitam.
O pensamento de Arendt, Adorno e Levi nos lembra da importância de resistir à desumanização e preservar os valores da democracia e dos direitos humanos.
Penso que o mundo se calou diante do ódio e do extermínio em massa a um povo escolhido. Ainda hoje se nega o holocausto, em vários países.
Para além do que foi produzido pelo próprio Terceiro Reich, a documentação do Holocausto é composta por uma infinidade de testemunhos de sobreviventes e por consistentes pesquisas desenvolvidas por historiadores.
Todo esse conhecimento vem servindo, há décadas, de base para livros, artigos, documentários, reportagens, exposições, filmes, peças de teatro e tantos outros produtos culturais que ajudam a compreender o genocídio. Apesar da enorme materialidade do Holocausto, ainda existem aqueles que negam.
Aí é que vemos o aumento do antissemitismo, num discurso de ódio aos judeus e também uma agenda de reabilitação dos fascismos nos planos político e partidário.
O “negacionismo” do holocausto é uma ameaça à verdade histórica porque nega um dos crimes mais hediondos de nosso tempo. Nega-se a intolerância, a dominação pelo medo e a violência de que foram e são capazes os regimes autoritários e totalitários. O apagamento do Holocausto também coloca em risco a afirmação dos direitos humanos, pois não diz respeito apenas ao povo judaico, mas a questões que afetam a humanidade, tais como dignidade, direito à vida, coexistência, alteridade e outros direitos básicos que devem ser assegurados por regimes democráticos.
A negação do holocausto é a negação da própria história, silenciando a memória.
A humanidade caminha de uma forma muito preocupante. Não vejo que o risco passou. Sob vários aspectos, analisamos o ser humano e seus atos. Preconceitos, aversão a diversidade, estrangeiros. Pessoas hostilizadas por serem diferentes.
Os judeus foram vítimas históricas da xenofobia na Europa, o que culminou no holocausto.
A questão do mal, penso que está difícil de ser desvendada, por mais que se debrucem pessoas inteligentes, tentando historicamente ou misticamente, através de Deus, desvendar esta faceta no humano desumano. O que foi feito em 7 de outubro de 2023, sequestrando-se homens, mulheres, pessoas que dançavam, numa festa para a promoção da paz. A maldade explícita. Terroristas, pessoas, que criam seus filhos desde pequeninos para matar, trucidar, cortar cabeças, queimar bebês, em nome de um “Deus” inventado e virgens no céu; estão longe de uma concepção “humanista”, moral ou ética. Mas o mundo de novo nega o acontecimento, e como o ódio aos judeus é gratuito e eles são, sem justif**ativa nenhuma o “Bode Expiatório” do mundo; vemos um novo e eterno e sem fim antissemitismo.
Difícil é falar em poesia depois de Auschwitz e no momento atual em que estes reféns continuam lá.

REFERÊNCIAS
Livros

ADORNO, Theodor W. Educação após Aushwitz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
ARENDT, Hanna. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LEVI, Primo. Assim foi Auschwitz: testemunhos 1945-1986. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Artigos e Documentos
KIRSCHBAUM, Saul. “A Banalidade das engrenagens da máquina nazista”. Entrevista concedida a IHU On-line,, São Leopoldo, Edição 438, p.19-22, março, 2014.
LAFER, Celso: ;”Hanna Arendt : Pensamento, persuasão e poder”.São Paulo: Editora Unesp, 2018.
MAKCHWELL Coimbra Narcizo. “ A história e a Shoah entre as práticas e representações”, Revista Mosaico: História e memória do holocausto, 2022.

Fontes Online
SILVA, Daniel Neves. Holocausto. Brasil Escola, 2024. Disponível em https://www.brasilescola.com/história/holocausto.htm. Acesso em: 5 fev. 2025.

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