03/06/2025
QUANDO O PRAZER É PARTILHADO
Swing, trios e jogos eróticos no caminho da individuação.
Uma leitura junguiana sobre o erotismo compartilhado como alquimia psíquica, ética relacional e desafio à posse amorosa.
Dedico este artigo a todos os casais que procuram através da sexualidade, uma via de desenvolvimento no processo de individuação, aqueles que, para além das normas e do medo, ousam escutar no desejo uma via de revelação da alma sobre o verdadeiro vínculo.
"Sou conhecida por abordar temas tabu, que incomodam muito a população. Não por provocação gratuita, mas porque estes temas fazem parte de uma realidade psíquica ostracizada, sem possibilidade de debate e que no contexto terapêutico se verif**a muito presente, emergindo do inconsciente dos pacientes um pedido de escuta, consideração e reflexão simbólica. Este artigo nasce do compromisso ético de não querer virar o rosto ao que é incómodo. Nunca pratiquei swing, mas respeito e acompanho casais que o fazem. Sei que um terapeuta não precisa ter vivido tudo para compreender, embora precise, sim, de sair do seu lugar comum para entrar, com empatia e rigor, no mundo interno do outro. Este texto é fruto desse movimento. Um esforço de compreensão junguiana sobre uma vivência afetiva e erótica que, para muitos, não é um comportamento desviante ou perverso, mas fonte de busca do caminho de individuação. Por isso mesmo, o tema merece ser pensado, desenredando-se do moralismo comum, com profundidade, consciência e liberdade.
É tempo, pois, de trazer luz ao tema vivido nas sombras da noite, recorrendo ao trabalho clínico, à escuta atenta de casais e indivíduos em busca de uma via erótica nas suas componentes instintivas e espirituais, assim como da minha própria contemplação simbólica sobre o lugar do Eros no caminho de encontro com o Self. Na tradição junguiana clássica, na qual me inscrevo, a sexualidade é muito mais do que um impulso fisiológico: é uma linguagem psíquica, um ritual alquímico onde o ego encontra e confronta a alma. Swing, trios e jogos eróticos consensuais são experiências que, longe de serem apenas práticas hedonistas ou desvios morais, podem, quando conscientes, tornar-se verdadeiros atos simbólicos de individuação. Neles dissolve-se a fantasia romântica da exclusividade redentora para dar lugar à vertigem da liberdade. Com ela vêm também as sombras: o ciúme, o medo da perda, a dor narcísica, a comparação, a insegurança… entre tantos outros complexos que se apresentam incómodos. Mas é precisamente aí que está o ouro. Porque, como ensinava Jung, não há luz sem sombra e não há transformação sem enfrentamento.
O erotismo partilhado confronta-nos com a nossa Anima (no homem) e com o nosso Animus (na mulher). Não é um jogo de corpos, é um espelho de arquétipos. O erotismo, neste contexto, é símbolo vivo e não apenas ato sexual. O corpo torna-se templo e o encontro erótico, quando vivido com alma, revela conteúdos psíquicos profundos. A forma como desejamos, como nos entregamos ou nos retraímos, espelha dinâmicas inconscientes que vão muito além do prazer físico: dizem respeito ao amor próprio, à sombra, ao complexo materno ou paterno e ao estado da nossa alma.
Quando um casal escolhe, de forma consciente, partilhar o seu erotismo com um terceiro ou com outros, está a desafiar uma matriz cultural assente na exclusividade e na posse. Está a provocar, no próprio inconsciente, os guardiões da segurança emocional e a invocar o Self para sustentar o movimento. No swing, o ego observa-se a si mesmo em espelhos múltiplos: ver o companheiro ou companheira a ser desejado ou tocado por outro convoca imediatamente os complexos de inferioridade, os medos arcaicos de abandono, a dor de não ser suficiente. Mas também revela a grandeza da alma que sabe entregar o outro à sua liberdade. Quando o ego cede, sem colapsar, e observa com presença aquilo que, outrora, causaria zanga ou ciúme, inicia-se uma transmutação: o prazer partilhado deixa de ser risco e passa a ser alquimia.
Não se trata do gosto pela prática do swing, mas de reconhecer o valor simbólico que essas experiências podem ter para quem as escolhe como ritual. O trio, por sua vez, invoca o arquétipo da tensão. Simboliza o terceiro elemento, aquele que desequilibra a simetria do par e obriga o casal a rever os seus fundamentos. O que é projectado nesse terceiro? Uma fantasia? Um escape? Uma sombra da relação que não está a ser integrada? Num trio, muitas vezes o ciúme revela-se de forma aguda, mas também o prazer pode ser multiplicado. Quando o trio é consciente e simbólico, o terceiro pode tornar-se um mediador: alguém que traz à luz aspetos do Animus ou da Anima que estavam adormecidos. Mas quando é apenas acting out, uma representação do desejo reprimido, pode tornar-se apenas uma repetição inconsciente e dissociativa.
O que legitima uma vivência erótica não é o seu formato, mas a sua consciência. A verdadeira ética no prazer reside na escuta do outro, no consentimento mútuo, na intenção profunda do ato. Partilhar o corpo sem alma é tão ou mais violento como reprimir o desejo por medo do julgamento. No prazer partilhado, a ética torna-se alquímica: é preciso mais do que liberdade, é preciso presença, palavra, escuta e responsabilidade emocional. O casal que entra numa prática erótica partilhada sem logos, fere-se. Mas aquele que o faz com verdade, pode sair transformado.
O Self (totalidade psíquica) deseja integrar as polaridades. O prazer, quando vivido com consciência, pode ser um caminho para essa totalidade. Em experiências eróticas simbólicas, o corpo torna-se veículo da alma: o prazer é também revelação, o desejo é também linguagem do inconsciente. Há casais que descobrem, no swing ou nos trios, uma via para se conhecerem mais profundamente, para desafiarem os seus complexos e para crescerem no amor. Não como fuga da intimidade, mas como aprofundamento dela. Porque amar é também ousar o outro no outro. E desejar não é trair, é revelar.
Todo o prazer verdadeiro traz em si um risco. No erotismo partilhado, esse risco é ampliado: o medo de perder, de ser inferior, de já não ser o escolhido. Mas é na travessia desses medos que o amor se purif**a. Não se trata de não sentir ciúme. Trata-se de não ser governado por ele. Trata-se de ver o ciúme como espelho da sombra e de integrá-lo com logos, com consciência, com amor. Porque quando o amor é maduro, o Eros torna-se símbolo e o prazer partilhado deixa de ser ameaça, e passa também a ser comunhão."
Nota sobre o Self:
Na psicologia analítica junguiana, o Self representa o centro regulador da psique e a totalidade do ser. É o arquétipo da unidade interior e o objetivo último do processo de individuação: tornar-se quem se é em essência, integrando luz e sombra, corpo e alma, instinto e espírito. Quando o erotismo é vivido em coerência com o Self, torna-se expressão de verdade, liberdade e sentido.
Mafalda Albuquerque
Psicoterapeuta Analítica Junguiana
https://mafaldapsi.weebly.com/
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