03/09/2025
No meu trabalho, faço muitas vezes esta pergunta:
“Lembras-te da tua infância?”
E quase sempre a resposta é:
“Foi normal, nada demais, eu era calma.”
Mas… será mesmo esquecimento?
Ou foi o teu corpo a guardar o que doía demais para recordar?
Tu lembras-te da escola, do rosto da professora, até do teu primeiro beijo.
Mas quando a conversa vai para a infância… tudo f**a enevoado.
E o corpo denuncia:
a voz treme, o coração dispara, o medo de errar nunca te larga, há um peso quando tentas relaxar, e a intimidade parece sempre perigosa.
Não lembrar foi a tua forma de sobreviver. Congelar foi a única saída.
Silenciar foi o que te manteve viva.
Na infância precisavas de amor. Mas não podias reclamar por não o receber.
Então aprendeste a ser boazinha, obediente, invisível.
E quem se esforça tanto para ser amada… esquece-se que foi ferida.
O esquecimento não é vazio. É névoa.É dor escondida.
Por isso hoje, sem perceberes, repetes frases que não são tuas:
“Sempre fui madura. Eu era calma. Nunca dei trabalho.”
Mas será que foste mesmo madura? Ou foste a criança que teve de cuidar dos pais?
Será que eras calma? Ou apenas engoliste o choro para não incomodar?
As feridas não desaparecem. Elas vestem-se de culpa quando dizes não. De medo quando tentas amar. De tristeza que aparece sem explicação.
Esses sintomas não nasceram agora. São a tua infância a pedir espaço.
E eu digo-te: não precisas lembrar cada cena. Só precisas começar a sentir, com segurança. Cada desconforto de hoje é um convite a recontar a tua história.
A memória não mora em factos. Mora no teu corpo, nos teus medos, nas tuas relações, na forma como te tratas. Talvez recordar não seja voltar atrás…
mas abraçar a criança que nunca teve espaço para sentir.
Tu não esqueceste por acaso. Tu sobreviveste por amor. E agora, podes lembrar por compaixão.
✨ A tua maior coragem é esta: deixar que a parte esquecida fale… para que finalmente tu, adulta, a possas amar.