09/05/2024
Desapego – Esse tão difícil trabalho
"O desapego não signif**a que não nos importamos, mas sim que aceitamos que as coisas são como são."
- Thich Nhat Hanh
Se tirarmos um brinquedo da mão de um bebé que estava entretido a brincar com esse brinquedo é bem provável que tenhamos uma reacção zangada ou triste.
Essa reacção poderá ser um vislumbre do início do apego humano.
A forma como esse bebé irá lidar com o sentimento essencial de frustração - que aquela circunstância lhe gerou - mostra-nos um pouco daquilo que poderá surgir a um adulto quando se tenta desprender de algo. Seja um objecto, uma pessoa ou um pensamento.
No adulto, esse apego poderá manifestar-se em várias dimensões da sua vida e poderemos observar um apego material, emocional ou mental a ser experienciado de várias formas.
No apego material pode existir
- Acumulação excessiva de bens e objectos
A pessoa vai acumulando bens materiais em quantidades desproporcionais, mesmo que não os utilize ou necessite deles. Essa acumulação pode gerar desorganização, dificuldade de se desfazer de objectos e até mesmo problemas financeiros.
- Dificuldade em se desfazer de objectos
A pessoa sente grande apego aos seus bens materiais, mesmo que sejam velhos, sem funcionar ou sem utilidade. Desfazer-se desses objectos gera grande angústia e sentimento de perda.
- Preocupação excessiva com a aparência
A pessoa preocupa-se excessivamente com a sua aparência e com a opinião dos outros, buscando bens materiais para se sentir valorizada e aceite.
- Materialismo como filosofia de vida
A pessoa acredita que a felicidade e o sucesso estão directamente relacionados com a posse de bens materiais, priorizando o consumo em detrimento de outras áreas da sua vida.
No apego emocional podemos observar:
- Dependência emocional em relacionamentos
A pessoa precisa constantemente da aprovação e do afecto de outras pessoas para se sentir segura e feliz. Essa dependência pode levar a comportamentos submissos, tolerância a abusos e dificuldade em se relacionar de forma autónoma.
- Medo de f**ar sozinho
A pessoa sente um medo irracional de f**ar sozinha, podendo mesmo envolver-se em relacionamentos abusivos ou prejudiciais apenas para evitar a solidão.
- Dificuldade em lidar com a perda
A pessoa tem grande dificuldade em lidar com a perda de pessoas, empregos ou relacionamentos, podendo desenvolver sintomas de luto patológico, como depressão e ansiedade.
-Ciúme excessivo e possessividade
A pessoa sente ciúme excessivo do parceiro, amigos ou familiares, controlando as suas ações e limitando sua liberdade.
No apego mental pode existir
- Ruminação de pensamentos negativos
A pessoa f**a presa em pensamentos negativos e autodestrutivos, repetindo-os constantemente na sua mente. Essa ruminação pode levar à depressão, ansiedade e baixa autoestima.
- Dificuldade em perdoar
A pessoa tem grande dificuldade em perdoar-se a si mesma e aos outros, guardando ressentimentos e mágoas que a impedem de seguir em frente.
- Rigidez mental e dificuldade em se adaptar
A pessoa tem dificuldade em lidar com mudanças e em se adaptar a novas situações, resistindo a qualquer tipo de transformação.
- Perfeccionismo excessivo
A pessoa busca a perfeição em tudo o que faz, criticando-se constantemente e nunca se sentindo satisfeita com seus resultados.
O apego, nas suas diversas formas, pode ser um grande obstáculo para a felicidade e o bem-estar. É importante identif**ar os sinais de apego na vida de cada um e, se necessário, procurar ajuda profissional.
Nas suas diversas formas, desde o afecto profundo por um ente querido até à posse material obsessiva, o apego é um fenómeno complexo com raízes que se entrelaçam em diferentes áreas da vida humana. Para o entendermos melhor nas suas origens e causas teremos de fazer uma viagem pela biologia, pela psicologia, pela sociedade e pela cultura.
Na dimensão biológica poderemos encontrar factores como:
- Temperamento
Indivíduos com temperamentos mais introvertidos ou menos expressivos podem ter uma predisposição natural para um maior apego emocional.
- Genética
Alguns estudos sugerem que a genética pode influenciar a capacidade de formar e manter laços afectivos, com pequisas que apontam para a existência de genes relacionados com a formação de vínculos sociais.
- Neurobiologia
Diferenças na atividade cerebral, especialmente em áreas relacionadas à empatia, à recompensa e ao processamento emocional, podem estar associadas à propensão ao apego ou ao desapego.
No campo da psicologia podemos encontrar pistas em situações com traumas de infância.
E experiências negativas na infância, como abandono, negligência ou abuso, podem fragilizar a capacidade de formar vínculos afetivos saudáveis, lançando as bases para o apego na vida adulta.
Negligência emocional com a privação de afecto e atenção na infância pode prejudicar a capacidade de formar e manter relacionamentos íntimos, lançando as bases para padrões de apego inseguros na vida adulta.
Ou questões como a baixa autoestima, questões relacionadas com a intimidade ou com algumas perturbações emocionais como a depressão ou ansiedade podem também estar associadas à dificuldade do desapego, influenciando a maneira como o indivíduo se relaciona com o mundo e consigo mesmo.
Nas dimensões sociais e culturais podemos encontrar factores como a pressão social para determinados formatos de sucesso ou de felicidade; falta de apoio social com a ausência de uma rede de apoio social forte; traumas culturais como guerras, pandemias ou crises socioeconómicas, etc.
Factores que podem ter um impacto duradouro na capacidade de apego de um povo, moldando as crenças e valores relacionados à confiança, à segurança e à pertença.
Estas origens do apego são multifacetadas e variam de acordo com o indivíduo e com o seu contexto de vida. Nem sempre é possível identif**ar uma única causa para o apego ou para a dificuldade do desapego. A complexa interação entre os diversos factores torna a compreensão das origens desse fenómeno quase um desafio multidisciplinar.
O apego pode ser um sintoma de um problema mais profundo que precisa ser abordado com ajuda terapêutica. Isto porque, em alguns casos, a dificuldade do desapego pode estar associada a questões emocionais ou traumas não trabalhados, exigindo acompanhamento especializado para corrigir essa situação.
Rumo à Cura e à Transformação
Compreender as origens e causas do apego é fundamental para promover a autoconsciência. Ao identif**ar os fatores que contribuem para seus padrões de apego, o indivíduo pode tomar medidas para superá-los e construir relacionamentos mais saudáveis.
Desenvolver e praticar a compaixão por si mesmo é crucial no processo de cura.
Compreender as raízes do apego pode ajudar a reduzir a culpa e a autocrítica, promovendo a autoaceitação e a compaixão por si mesmo.
Procurar ajuda profissional é essencial para lidar com o apego de forma ef**az. Um psicólogo ou terapeuta que trabalhe com as emoções pode auxiliar no processo de compreender e lidar com os padrões de apego, fornecendo ferramentas e estratégias para construir relacionamentos mais saudáveis e gratif**antes.
(artigo publicado na revista Saúde Actual - Maio/Junho 2024)