10/05/2025
"Quando um papa escolhe o seu nome, mostra qual a linha que vai seguir..."A escolha do nome pontifício é, à superfície, um ato cerimonial, mas na realidade encobre uma das decisões mais significativas e reveladoras de um pontificado. É uma declaração simbólica, quase profética, do itinerário que o novo líder da Igreja Católica pretende traçar. Nessa escolha cristaliza-se um legado, não apenas o de quem o nome é invocado, mas o de quem ousa continuar ou reinterpretar essa herança.Desde os primórdios da Igreja que os nomes carregam peso e propósito. Pedro, “a rocha”, não era apenas um apóstolo, mas a fundação simbólica de toda a instituição. Quando o recém-eleito papa assume um nome distinto do seu de baptismo, inicia-se uma ruptura identitária controlada, ou seja, no sentido figurativo, morre o cardeal e nasce o pontífice. E com esse renascimento simbólico, nasce também uma narrativa cuidadosamente construída.João Paulo I inaugurou uma nova linhagem nominal ao unir dois nomes recentes e populares: João XXIII, arquétipo do aggiornamento conciliar, e Paulo VI, o diplomata do pós-concílio. Ao adoptar ambos, João Paulo I não procurou apenas unir estilos de governo, ofereceu um modelo de continuidade e conciliação num momento sensível da Igreja. A brevidade do seu pontificado, apenas 33 dias, não anulou a força simbólica dessa decisão.João Paulo II, ao manter esse nome duplo, reafirmou essa linha, mas revestiu-a com uma carga dramática e histórica própria. Karol Wojtyła trouxe à Cúria Romana a experiência de resistência ao totalitarismo e o vigor pastoral de um papa que não hesitou em transformar o papado num cargo itinerante e mediático. Foi um estratega espiritual, um teólogo da dignidade humana, e a sua escolha nominal reforçou a fidelidade ao "aggiornamento", mas com um viés antropológico e Mariano muito próprio.Bento XVI, por contraste, promoveu um retorno à essência doutrinal. Ao escolher o nome de Bento XV, conhecido pelos esforços de paz durante a Primeira Guerra Mundial, e invocar São Bento de Núrsia, fundador do monaquismo ocidental e patrono da Europa, Joseph Ratzinger sinalizou a intenção de restaurar as raízes da civilização cristã. A sua teologia do logos foi, desde o início, prenunciada pelo nome, ordem, contemplação, tradição.A ruptura mais clara, nominal e simbólica, surge com o papa Francisco. Nenhum outro pontífice, em dois milénios, ousara tomar o nome do santo de Assis. A decisão foi tanto uma escolha teológica quanto uma manobra geopolítica e institucional. Francisco representa não apenas a opção preferencial pelos pobres, mas um reposicionamento da Igreja no espaço público, da autoridade para o serviço, da hierarquia para a sinodalidade, do centro para as periferias. O nome assinala uma visão ecológica, pastoral, humanista e descentralizadora da missão petrina.No plano histórico, o caso de Leão XIII oferece um exemplo notável do uso estratégico do nome papal. Ao evocar Leão I, o Grande, defensor da ortodoxia contra as heresias e negociador com Átila, Leão XIII posicionou-se como defensor da fé num novo campo de batalha, a modernidade secular e o capitalismo nascente. A encíclica Rerum Novarum (1891) não foi apenas um marco na doutrina social da Igreja; foi a materialização daquilo que o seu nome já anunciava, um pontificado combativo, diplomático, mas também reformador no campo das ideias.Leão XIV, por sua vez, permanece por ora uma hipótese histórica. Robert Francis Prevost acabou de reclamar esse número ordinal. No entanto, a escolha carregará inevitavelmente o peso do legado de Leão XIII.Hipoteticamente representará, por associação, uma tentativa de revitalizar a doutrina social da Igreja num novo contexto, talvez frente às crises ambientais, ao transumanismo, ou ao novo paradigma digital. Seria um nome de audácia teológica e de diálogo com o mundo, tal como foi no século XIX.Importa sublinhar que os nomes papais não são apenas homenagens, são estratégias de comunicação. São mensagens codificadas ao Colégio de Cardeais, aos fiéis e ao mundo exterior. No momento da sua escolha, cada papa constrói um enunciado que sintetiza intenções, prioridades e, por vezes, rupturas. É nesse sentido que o nome revela a linha a seguir, não como um destino irrevogável, mas como uma orientação declarada.Em suma, a onomástica pontifícia é um campo de leitura simbólica e teológica que permite, muitas vezes antes mesmo da primeira homilia, antever as direções, as ênfases e os dilemas que marcarão um pontificado. Entre tradição e a inovação, entre a autoridade e o serviço, entre o dogma e o pastoral, cada nome papal é um ponto de intersecção entre o passado e o futuro da Igreja.
by Teresa Gonçalves