17/12/2025
CULPA, ABANDONO E REJEIÇÃO
(notas sobre transtorno de personalidade - traços)
Nesta paisagem interna devastadora, onde o tempo se torna desfocado pelas desonestas linhas temporais, o eu apenas existe através de retratos embaraçados pela dor e pela desordem do conflito familiar.
A infância, é caracterizada por caminhos em labirintos e esconderijos para fugir ao conflito e angustia, mas que não levam a nenhuma saída.
Cada passo é uma dúvida, um eco de um ser que tenta encontrar seu próprio reflexo, mas não reconhece o espelho.
A necessidade de exigir um espaço em si mesmo e uma forma de expressão, tornam-se missões impossíveis perante o assombro de pensamentos assentes em vivências de dor e de sofrimento mental.
O eu que grita por controlo, o eu que se dissolve no vazio, o eu que teme o abandono, o eu que se esconde atrás de máscaras para não se sentir rejeitado.
São pensamentos que geram estes sentimentos, e ao invés de coexistirem em harmonia, se chocam e se distorcem, criando um turbilhão interno difícil de apaziguar.
E é neste sofrimento psíquico atroz, que o comportamento se torna uma tentativa desesperada de tornar o mundo compreensível.
A raiva e a agressão que irrompe sem razão e sem avisar…, a dependência que sufoca, o distanciamento que isola e que remete para a rejeição. O medo de ser visto, mas também o medo de ser ignorado.
Cada relação é uma corda bamba… sempre no fio da navalha…
Cada interação, um salto para um precipício que se pode abrir a qualquer momento, tornando-se num buraco negro de depressividade.
Mas também nesta distorção da realidade e dos limites relacionais, existe neste caos uma necessidade humana de estar em relação; de sentir e de coexistir… Uma busca incessante por transformar as coisas em busca de conexões e de reconhecimento pelo outro.
Esta árvore que foi regada com tanta lama, despoletou ramificações que necessitam de enxertias constantes, não permitindo o florescimento devido à intensa culpa sentida…
A culpa alimenta-se das escolhas não feitas, mas também dos caminhos que se tornaram confusos, mas que nunca sabíamos ao certo qual seguir.
A culpa destaca-se na confusão mental entre o que somos e o que deveríamos ser, do eterno confronto com nossas falhas e limitações.
Porém, a culpa também nos pode salvar. Ela apela à reflexão, empurrando-nos para a introspeção. E aí, ela revela os nossos valores mais profundos, as crenças que governam nossos comportamentos e as feridas que, talvez, precisem de cura.
Ela é a lembrança de que não somos perfeitos, mas também o rastilho que nos impulsiona a buscar uma versão melhor de nós mesmos.
Estes traços de personalidade não definem a totalidade de quem somos, sendo que apenas revelam um capítulo doloroso da nossa história.
E é na terapia, na escuta, no acolhimento, que esses caminhos podem ser reescritos, na tentativa de dar sentido ao que se sente desconexo.
O transtorno não é a pessoa. Ele é um rastro de dor, um grito da alma que ainda não encontrou a sua paz. E a cura, embora não seja simples, começa com a aceitação, o acolhimento e o entendimento de que, por mais fragmentados que sejamos, somos inteiros.
Um bem haja,
Rui Grilo - Psicologia & Notas Reflexivas