13/03/2025
Dia #308
Senti hoje o ímpeto para escrever algo.
Continuo a pensar que é um exercício egoico e de auto regulação vir escrever neste espaço publico-privado, mas aguentem lá um bocadinho. Obrigado
O valor de uma equipa não se mede nos indicadores. Talvez estes denunciem aos superiores o quão bem conseguimos funcionar ou o quanto conseguimos trabalhar em conjunto para atingir um objectivo "mensurável".
Mas o valor intrínseco, não está aí. Nem podia.
O valor da equipa faz-se da soma dos valores de cada pessoa e da sua capacidade de sofrer. Sofrer no sentido de descobrir aquilo que estão dispostos dar em prol da equipa (abdicar de tempo com a família, aceitar que vamos fazer muita introspecção, lidar com situações emocionalmente desafiantes, entre outras).
Mas o valor intrínseco está também patente no quanto a equipa está capaz suportar qualquer um dos seus membros. A frase mais adequada vem do romance de Alexandre Dumas: "um por todos e todos por um".
E depois deste preâmbulo, uma história:
Na última reunião de serviço que tivemos, houve uma chamada do familiar da utente que seguimos, com uma doença grave e incurável em estadio muito avançado. Ele contou-me o quanto ela ficou tranquila após resolver algo que lhe pesava no coração (a famosa dor total... que transforma a dor 2/10 em dor 10/10 durante a silenciosa e obscura noite). Ao mesmo tempo sentia-a agora mais pronta, mais serena, mais tudo.... até mais terminal.
Não chorei ali. Chorei mais tarde, ao encarar o olhar dos meus irmãos de farda que tentavam perscrutar o que me ia na alma... que de tão lavada em lágrimas estava que logo a seguir as viram brotar também dos olhos, a soluçar.
Ninguém gozou, zombou ou disse que estava tudo bem. A minha irmã de caminhada abraçou-me, sussurrou ao ouvido qualquer coisa que não me lembro, mas que me amparou o espírito. E os olhares à volta não eram de pena, mas de comunhão.
Pararam para me escutar e partilharam a dor, de tal forma que ela foi aliviando logo ali.
Esta doente é especial, como são todos. Mas ela também já esteve deste lado da profissão... Para nos lembrar que não há diferença entre seres humanos, todos somos livres de assumir qualquer papel que a Providência decida atribuir-nos.
Enfim, não há, mesmo, nenhuma linha que possa fazer jus ao valor desta equipa, nem há forma de expressar a sorte que sentimos por o Destino ter querido que nos juntássemos.
Apenas posso dizer que esperamos que este sentimento possa existir em todas as equipas (sejam de saúde ou não); o sentimento de que quando um de nós estiver mais vulnerável os outros estarão lá para o apoiar.
No meio disto, dizer também, já agora...que somos tecnicamente e academicamente dotados, ok? Isto não é só um grupo incrível e tal...também se trabalha muito, muitas horas e com o sentido de valor em vez do sentido de dever.