21/08/2025
O Jogo Não é Divertido
Há cada vez mais casos de jovens que se deixam apanhar pela teia do jogo online e offline. Começam a divertir-se e, num ápice, a situação f**a fora de controlo, resvalando muitas vezes para a patologia. Os números que conheço resultam de uma crescente procura em contexto de consulta. Mas há números mais precisos. Em Portugal os jogadores patológicos são 0,5%, enquanto os jogadores abusivos situam-se em 1,3%. De acordo com um estudo de (Hubert et al.,2023): “maioritariamente são homens (86%), empregados (76 %), com estudos universitários (37%), média de idades próxima dos 34 anos, jogando exclusivamente online (59,5%) ou offline (10,8%) e em modo misto (29,7%), maioritariamente online, mas também offline”.
A situação surge como preocupante para as famílias quando descobrem que os danos são signif**ativos e, principalmente, porque parece não ter explicação. Quando o jogador em descoberto isso funciona como um alívio. Normalmente confessa que joga e disponibiliza-se para iniciar um processo de mudança. É o momento em que aceita qualquer negociação, porque também foi confrontado com situações que roçam a vergonha, como a mentira ou o furto. Mas é preciso distinguir entre o jogador abusivo e o jogador patológico.
O abusivo apresenta um uso problemático do jogo, tem episódios de perda de controlo, mas consegue manter outras áreas funcionais da sua vida, como o trabalho, a família e vida social – embora tenha consciência das consequências negativas; o patológico está já num quadro de perturbação psiquiátrica. O jogador patológico desenvolveu uma compulsão pelo jogo, onde perde completamente a noção do tempo e dos gastos, mesmo reconhecendo as perdas financeiras e as consequências que isso comporta nas relações familiares e no trabalho. Este jogador patológico não consegue deixar de pensar no jogo, necessidade de jogar compulsivamente e de apostar cada vez mais valores com graves danos pessoais, patrimoniais e familiares. Ou seja, o jogador abusivo pode transformar-se num jogador patológico.
O jogo é a ponta do icebergue, e as famílias, quase sempre, entram em pânico quando descobrem que um filho é jogador. Quase todos conhecemos situações de pessoas que arruinaram com o jogo as suas vidas e das suas famílias, por isso, estas histórias potenciam uma intervenção, muitas vezes, musculada. O médico Cabor Maté, no seu livro, ”No Reino dos Fantasmas Famintos. Encontros Íntimos com o Vício”, escreve que a “a dor é o tema central do vício. Só quem está com grande dor, deseja anestesia-la. Então, não pergunte o porquê do vício. Pergunte o porquê da dor”.
Esta abordagem recoloca-nos perante três fatores que Uriszar et al. (2023) considerava potenciarem a dependência do jogo: “individuais (genética; características psicológicas, como procura de sensações; impulsividade; baixa tolerância à frustração; idade; género…), situacionais (acessibilidade; publicidade; pressão dos pares; cultura; legislação…) e estruturais (número de apostas por minuto; rapidez entre aposta e resultado; montante do prémio e rapidez na entrega…) (Hubert, 2015)”.
As famílias f**am perturbadas e muitas vezes não sabem como ajudar, temem o que possa acontecer – sofrem, também, um grande desgaste emocional. O jogo surge como um sintoma, mas, normalmente, esconde outras razões que surgem mascaradas na procura de novas sensações, novidades, baixa autoestima, pouca regulação emocional e crenças disfuncionais. Os jogadores têm vidas paralelas, escondem e metem, perpetuando o poder da necessidade e a alterações da gestão de mecanismos de prazer e sofrimento, de emoções que têm implicações no controle do jogo. O circuito de recompensa ativa a necessidade e a memória encarrega-se de ativar os gatilhos do jogo ignorando as consequências. Importa que no processo de terapia o jogador reconheça, evite e enfrente.
A tomada de consciência leva à vergonha, culpabilização, isolamento e tristeza. Segue-se a recuperação e a prevenção da recaída. Um jogador pode levar dezenas de anos até ser descoberto, mas entretanto os danos materiais, emocionais e familiares são signif**ativos. Pedir ajuda é o primeiro passo para uma abstinência intemporal.
António Vilhena