
29/07/2025
(Um conto antigo de almas que se encontraram para despertar)
Dizem que em tempos imemoriais,
duas almas cruzaram-se numa encruzilhada da vida.
Ele — o Narcisista — belo como um espelho de prata,
sedento por ser visto, por ser amado, por ser validado
Ela — a Salvadora — com o coração em brasas,
pronta a curar todas as feridas que não eram suas
Ele precisava de um palco.
Ela ofereceu o peito como altar.
Ele exigia devoção.
Ela entregou-se inteira, esquecendo-se de si.
Nos primeiros atos, tudo era encantamento.
Ela sentia-se escolhida.
Ele, glorificado.
Mas a cada gesto de entrega,
ela diminuía — e ele crescia, inflado pelo reflexo que ela lhe devolvia.
A Salvadora acreditava que o amor podia curar.
Que, com paciência, ele mudaria.
Que bastava mais um pouco de luz, de toque, de compreensão.
Mas o Narcisista não queria cura —
queria alimento.
E cada tentativa dela em salvá-lo
era mais uma prova de que ele era especial, superior, inalcançável.
E então veio a ruína.
A Salvadora cansou-se.
Percebeu que, ao tentar salvá-lo,
afogava-se no espelho dele.
Foi quando se olhou — pela primeira vez —
não através dos olhos dele, mas pelos seus próprios.
E viu-se exausta, despida, esquecida.
Foi aí que rompeu o feitiço.
Desfez o altar.
Abandonou o palco.
E recolheu o que restava da sua alma
para começar a sua verdadeira missão:
salvar-se a si mesma.
O Narcisista?
Seguiu, em busca de outro reflexo onde pudesse brilhar.
Mas algo nele tremeu — pois a ausência da Salvadora expôs o vazio
que ele tanto evitava.
Dizem que, desde então,
ela floresce nas sombras que antes tentava curar.
E ele continua a procurar-se nos olhos de outras…
até que um dia, talvez, também deseje ver-se nu.
FIM… ou apenas o início.
O autor desta lenda é aquela aquele que se revê n'ela!