26/05/2025
O INEM - Instituto Nacional de Emergência Médica paradoxal
Nos últimos anos assistimos às alterações na profissão de TEPH que culminaram com a merecida regulação da carreira publicada em Diário da República. É indiscutível para qualquer profissão o seu direito à regulamentação, progressão, hierarquia e enquadramento remuneratório. O mesmo já não se verif**a no que respeita ao seu conteúdo funcional, que desde sempre não teve o apoio de médicos nem enfermeiros por compreenderem que algumas das atividades propostas não se enquadram no seu nível de conhecimento.
Nos últimos 10 anos a formação proposta aos TEPH tem sido marcada por uma instabilidade preocupante. Em vez de um percurso sólido, coerente e progressivo, o que se tem observado é uma sucessão de mudanças, revisões e indefinições que fragilizam a profissão e colocam em causa a qualidade da resposta pré-hospitalar. Esta constante reformulação da formação (que ainda não acabou), sem uma visão estratégica de longo prazo, transmite a sensação de improviso e desvalorização, afetando a motivação dos profissionais e, por consequência, o serviço prestado à população. A ausência de estabilidade formativa não é sinal de evolução — é sinal de negligência institucional.
O paradoxo de Sunk Cost descreve uma armadilha comum: quando alguém continua a investir tempo, dinheiro ou esforço num projeto fracassado, simplesmente porque já investiu demais para desistir. Em vez de reavaliar racionalmente os resultados e interromper o ciclo, continua-se a investir — não por expectativa de ganho, mas por incapacidade de aceitar a perda.
No contexto dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, este paradoxo é tristemente visível na forma como a formação tem sido gerida ao longo dos anos. Milhares de horas e recursos foram repetidamente investidos em formações, cursos de atualização, requalif**ações e programas sucessivamente alterados, mas sem que esse esforço coletivo tenha resultado numa valorização concreta da carreira ou numa melhoria tangível das condições de exercício. Os mais néscios poderão dizer que a realização de ECG por exemplo já tem sido uma mais-valia, no entanto já existem corporações de bombeiros a realizar ECG sem qualquer formação de fundo, porque na prática trata-se de algo simples: saber a indicação de realização de ECG, realizar a técnica e ter meios para enviar para o CODU. A interpretação, orientação, o envio de meio diferenciado ou encaminhamento f**a dessa forma garantida pelo médico regulador. A questão que se coloca é porque isto não está largamente estendido ao resto dos meios de socorro, especialmente nos locais onde verdadeiramente faz a diferença.
O aumento para 3% na taxa dos seguros para financiar o INEM representa um esforço coletivo pago por todos, mas cujos benefícios parecem concentrar-se em apenas alguns. É necessário justif**ar o desperdício em formações questionáveis que levantam dúvidas sobre a equidade e eficiência na gestão de recursos. Um investimento que deveria servir toda a população está a tornar-se num sistema seletivo que aprofunda a desigualdade no acesso a cuidados de saúde.
O INEM foi incapaz de implementar desde o início qualquer formação credível, pelo que agora está a colar-se às Faculdades de Medicina para tornar socialmente vendável a ideia da mais-valia desta formação. O que nos leva a pensar onde andará a Ordem dos Médicos que critica um licenciado em Farmácia no uso do medicamento, ou um licenciado em enfermagem, ou técnico superior de saúde numa prescrição de alguns atos e ao mesmo tempo aceitar que um técnico com o ensino secundário administre fármacos, realize intervenções críticas em contextos instáveis e lide com situações de alto risco clínico supostamente sob o manto da regulação à distância do médico (praticamente inexistente na atualidade), curiosamente em locais onde existe proximidade de hospitais e meios diferenciados.
Tudo isto leva à nossa reflexão final: se os TEPH tanto querem esta diferenciação, que aliás foi reconhecida em carreira e em remuneração, porque não andam a fazer aquilo para que são pagos?
É uma realidade muito comum, e profundamente contraditória, é que muitos desses profissionais, ao invés de estarem a exercer o papel para o qual foram formados, acabam por ser designados como condutores em diversos contextos, quer seja nas Unidades Móveis de Intervenção Psicológica e Emergente (UMIPE), quer no Transporte Inter-Hospitalar Pediátrico (TIP) ou até mesmo nas próprias ambulâncias de Suporte Imediato de Vida. Não é à toa que nas futuras ambulâncias de transporte inter-hospitalar esteja prevista inclusive um TAT ou TEPH (deve ir dar ao mesmo).
Para o leitor menos familiarizado, nas UMIPE ou na TIP o TEPH não possui contacto, responsabilidade ou qualquer intervenção clínica junto do doente. Nas ambulâncias de Suporte Imediato de Vida, a responsabilidade pela abordagem e intervenções está a cargo do enfermeiro, pelo que poderia ser facilmente substituído e encaminhado para a operacionalização das AEM e CODU.
Estamos a falar em mais de meio milhão de horas que poderiam estar a ser aproveitadas em meios adequados às suas funções, quanto não mais seja por manter os meios AEM operacionais.
Os recentes contactos entre o INEM e outros parceiros podem fazer com que estas alterações sejam possíveis com grandes vantagens para todos os intervenientes, nomeadamente para o principal interessado que é o cidadão.
É necessário reorganizar os meios para garantir que o sistema de emergência funcione de forma mais eficiente, levando os cuidados de saúde avançados ao cidadão, independentemente do local onde se encontra. É necessário otimizar a distribuição de responsabilidades e recursos, envolvendo outros intervenientes, apostando na profissionalização do socorro além das cidades. Somente assim será possível melhorar a qualidade do atendimento pré-hospitalar.
Para quando a refundação?