Saúde Pública para Epidemiologistas doutorados pelas redes sociais

Saúde Pública para Epidemiologistas doutorados pelas redes sociais Aqui pretende falar-se da saúde pública, e da saúde do público, de forma perceptível a todos.

Retalhos da Vida de um médico, de Saúde Pública[Saúde (do) Pública(o) (45), no Diário dos Açores de 19.11.2025] 🚨O tema ...
19/11/2025

Retalhos da Vida de um médico, de Saúde Pública

[Saúde (do) Pública(o) (45), no Diário dos Açores de 19.11.2025]

🚨O tema da semana: “Relembrar”: o “One Health” e a Visão Integrada da Saúde Pública

A Saúde Pública é uma Ciência, e uma Arte, que transcende fronteiras disciplinares, e que exige uma abordagem holística, para enfrentar os desafios contemporâneos.

O “One Health” realça a ligação entre a saúde humana, animal e ambiental, e ganhou relevância num contexto global marcado por ameaças emergentes, como as pandemias e as alterações climáticas.

É um paradigma que reconhece a interdependência entre a saúde das pessoas, dos animais e o ambiente.

Desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), este conceito surgiu da necessidade de responder a problemas complexos, que não podem ser resolvidos isoladamente.

Por exemplo, as doenças zoonóticas (que se transmitem entre animais e humanos, como a gripe aviária ou a COVID-19) ilustram como um desequilíbrio ambiental pode afectar directamente a Saúde Pública.

O leitor imagine o One Health como um ecossistema ligado: o que afecta os animais ou o ambiente pode repercutir-se na saúde humana.

Na prática, isto implica a colaboração entre médicos humanos, médicos veterinários, e outros especialistas.

Em contextos como os Açores, onde a agricultura, o turismo e a proximidade com o mar moldam a vida quotidiana, esta abordagem é particularmente pertinente.

Pode envolver vigilância sanitária em explorações agrícolas para prevenir contaminações alimentares, ou a monitorização ambiental para mitigar impactos dos poluentes na saúde comunitária.

O objectivo é promover acções preventivas que salvaguardem o bem-estar colectivo, reduzindo riscos e fomentando a sustentabilidade.

Este conceito não é novo; as suas bases remontam a observações históricas sobre a transmissão de doenças.

No entanto, ganhou formalização no início do século XXI, devido às crises globais.

Hoje, o One Health faz parte das políticas públicas, como estratégias de controlo de antibióticos resistentes ou planos de resposta a emergências sanitárias.

Veja-se isto como uma rede de protecção: ao cuidar do ambiente e dos animais, estamos a investir na nossa própria saúde a longo prazo.

Há quase 20 anos, em 2008, um grupo de profissionais (e visionários), na Lagoa, iniciou acções que, retrospectivamente, incorporavam o espírito do “One Health”.

Na altura, como delegado de saúde do concelho da Lagoa e da Ilha de São Miguel, reuni com um jovem presidente do Núcleo Empresarial da Lagoa (NELAG), o Dr. Ricardo Martins Mota, e com um jovem veterinário, o Dr. Miguel Balacó Amaral.

Na verdade éramos todos muito jovens, e cheios de Esperança e Vontade.

Desta colaboração surgiu a ideia de implementar acções de vigilância sanitária, em múltiplos espaços, mas em particular nos estabelecimentos de restauração e bebidas da Lagoa.

Estas iniciativas não se limitavam a inspecções rotineiras; envolviam uma abordagem integrada que considerava a saúde humana, a higiene animal e o impacto ambiental.

Por exemplo, avaliávamos não apenas as condições de armazenamento dos alimentos de origem animal, mas também os riscos de contaminação cruzada, que poderiam afectar tanto os consumidores como o ecossistema local.

E ainda tínhamos um cuidado especial com o consumo tabágico, nestes espaços.

O resultado foi uma transformação signif**ativa na Saúde Pública do concelho (uma cultura de responsabilidade partilhada entre empresários, veterinário e autoridade de saúde), reconhecida pela Assembleia Municipal da Lagoa, em Abril de 2010.

Esta experiência demonstrou, na prática, como a colaboração interdisciplinar pode gerar impactos duradouros.

Sem o formalismo do termo “One Health” – que ainda não fora adoptado à época –, aplicamos os seus princípios fundamentais: reconhecer que a saúde não está compartimentalizada, mas interligada.

Hoje, ao reflectir sobre esses anos (2008 a 2010), é evidente que tais acções anteciparam os debates actuais, provando que visões inovadoras podem emergir de contextos locais.

Na mesma altura, envolvi-me activamente na adesão dos concelhos da Ilha de São Miguel à “Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis”, e consegui promover a adesão de Ponta Delgada, Ribeira Grande, Lagoa e Povoação a esta Rede, o que ampliou esta visão integrada.

Esta Rede, afiliada da iniciativa da OMS de “Cidades Saudáveis”, promove o planeamento urbano focado na saúde, incorporando aspectos ambientais, sociais e económicos.

Nos Açores isto signif**a iniciativas relacionadas directamente com o “One Health”, como projectos de promoção de espaços verdes ou campanhas de educação sobre alimentação sustentável, por ex..

A adesão destes municípios aconteceu em 2009, reflectindo um compromisso colectivo com a saúde integrada.

Ponta Delgada foi a pioneira; na iniciativa “Ponta Delgada Cidade Saudável” (28 e 29 de Maio de 2009), o município assinou formalmente a “Declaração de Compromisso com a Rede”, destacando acções que integravam saúde humana e ambiental, como a monitorização dos espaços urbanos.

Esta adesão catalisou a implementação de planos que promovem a mobilidade sustentável e a preservação dos ecossistemas costeiros, alinhando-se com o espírito do “One Health”.

Seguiram-se as adesões da Povoação, Ribeira Grande e Lagoa, formalizadas em Junho e Julho de 2009.

O processo culminou com a assinatura das declarações durante o colóquio “Autarquias e Saúde”, realizado nas Furnas, Povoação (26 de Junho), e a aprovação pela Assembleia Intermunicipal (19 de Julho).

Na Povoação, um concelho rural com forte ligação à Natureza, a vigilância ambiental, como o controlo de pragas em áreas agrícolas sem recurso excessivo a químicos, protegendo assim a saúde humana, animal e o equilíbrio ecológico, é crucial. Embora a Povoação tenha posteriormente saído da Rede (devido a decisões políticas) o seu envolvimento inicial demonstrou o potencial de abordagens integradas, neste contexto.

Na Ribeira Grande, a adesão destacou projectos relacionados com os recursos hídricos, o que incorpora os princípios de “One Health” ao ligar a saúde pública com a conservação de habitats naturais.

Por fim, na Lagoa, já familiarizada com várias outras ações de Saúde Pública em 2008 e 2009, a adesão acabou por ser uma extensão natural dessas iniciativas. O foco, à época, foi em campanhas de educação comunitária, por exemplo sobre higiene alimentar e sustentabilidade.

Estas acções colectivas, neste 4 municípios, não foram uma mera formalidade:

representaram um compromisso com políticas que veem a saúde como um bem colectivo, influenciado pelo ambiente e pelas interações humano-animal.

Retrospectivamente, todas estas acções são o cerne do One Health:

uma saúde única, onde o bem-estar humano depende da harmonia com o ambiente natural e animal.

Nos Açores, com a sua biodiversidade única, estas iniciativas foram em larga medida precursoras, demonstrando que as abordagens locais podem alinhar-se com conceitos globais emergentes.

Todo este trabalho realizado - há quase 2 décadas - já incorporava o espírito do “One Health”, provando a sua relevância intemporal.

Discutir o “One Health” é importante para disseminar o conhecimento e fomentar diálogos.

No entanto, o verdadeiro valor reside nos resultados tangíveis que resultam das discussões.

São necessárias acções concretas – planos de vigilância integrada, políticas de sustentabilidade, parcerias interdisciplinares – e não apenas registos fotográficos.

Num espírito de nobreza e compromisso com o Bem Público, recordo que a Saúde Pública avança através de trabalho persistente e de colaboração, e não de aparências.

Que se honre o legado de visões integradas, transformando conceitos em realidades que beneficiem as comunidades.

Só isto interessa.

Avaliações pessoais, a serem feitas, que se façam no mínimo duas décadas depois, em jeito de memórias, de um qualquer aprendiz de Fernando Namora.

🎖️A homenagem da semana: aos parceiros visionários

Permita-me, caro leitor, esta semana prestar homenagem aos meus parceiros daquela época: o Dr. Miguel Balacó Amaral e o Dr. Ricardo Martins Mota.

A sua dedicação e visão foram fundamentais para as transformações conseguidas, e que aqui referi esta semana.

Reencontrei-os na defesa da Saúde Pública quando, em Dezembro de 2020, a Câmara Municipal da Lagoa criou o Gabinete Municipal de Crise COVID-19.

Este gabinete, que integrou elementos do executivo camarário e outros especialistas, representou uma resposta coordenada à pandemia, um eco longínquo do espírito de colaboração que nos uniu anos antes.

O seu envolvimento reforçou a importância de parcerias duradouras na protecção da comunidade, provando que o compromisso com a Saúde Pública transcende o tempo.

Porque “cada história é um retalho”, que estas memórias nos inspirem sempre, a nós e a todos, a continuarmos a construir um futuro mais saudável, integrado e sustentável.

08/05/2025

Imagens do Papa Leão XIV abençoando as ruas de Chiclayo, Peru.

Como bispo daquela cidade, durante a pandemia de Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, Prevost utilizou as suas redes sociais para incentivar a adesão às medidas de distanciamento social e à vacinação contra a COVID-19.

Saúde (do) Pública(o) (13): sobre o fim de vida, na infância e na velhice[No Diário dos Açores de 09.04.2025] >>>>> O te...
09/04/2025

Saúde (do) Pública(o) (13): sobre o fim de vida, na infância e na velhice

[No Diário dos Açores de 09.04.2025]

>>>>> O tema da semana: fins de vida inaceitáveis, na infância e na velhice.

Começo este espaço, esta semana, pela notícia da morte de uma criança de 8 anos, por sarampo, no Texas, elevando o número de mortes confirmadas para 2.

Já sei, alguns Epidemiologistas doutorados pelas redes sociais dirão, “a criança morreu com sarampo, e não de sarampo”.

Talvez alguns (ir)responsáveis arriscassem dizer “mas, as crianças não tinham comorbilidades…?”… na verdade, estes tempos fantásticos que vivemos permitem que qualquer id**ta com acesso à Internet se ache perito em tudo, e em mais alguma coisa.

Em vacinas, em crises mundiais ou em tarifas aduaneiras. É ver a quantidade de parvoíces que são escritas por quem, sobre cada assunto, nunca leu, como se diz na bela terra transmontana, “uma letra do tamanho de um boi”.

Uma terceira pessoa terá morrido no Novo México no mês passado, mas a causa oficial da morte continua sob investigação. Dezenas foram hospitalizadas ao longo do surto, e a contagem de casos continua a crescer rapidamente.
Atualmente este “super-surto” tem múltiplos pontos críticos. O surto no oeste do Texas/Novo México é o maior, mas há aglomerados consideráveis no Kansas e no Ohio. Vários outros Estados relataram casos individuais e surtos menores.

Esses casos e mortes são especialmente trágicos porque são evitáveis. A vacina contra o sarampo é altamente ef**az: duas doses fornecem cerca de 97% de proteção, e mesmo uma dose pode prevenir cerca de 93% das infecções.

Nem todas as crianças infectadas são “voluntariamente” não-vacinadas: um terço dos casos no Texas são crianças entre os 0 e os 4 anos, e muitas são jovens demais para serem vacinadas. Um surto numa creche em Lubbock, Texas, infectou 6 crianças muito pequenas. Na realidade, quanto mais o vírus circula, mais oportunidades ele tem de atingir pessoas vulneráveis.

E, antes que apareçam os entendidos de sempre a fazer relações entre variáveis independentes, f**a a nota: a baixa cobertura vacinal vem do governo de Joe Biden…

Agora, neste momento, é muito importante que o governo do presidente Trump coloque as equipas de Saúde Pública a fazer o que sabem fazer bem: controlar cada um destes surtos.

As consequências da ausência desse controlo não são abstractas: são hospitalizações, incapacidade e morte, muitas entre crianças muito novas para serem protegidas.

O que está a acontecer agora, se não for controlado, será usado de forma politizada, por políticos e alguma comunicação social, muito atentos a todos os aspectos que ocorram agora, mas que nunca olharam para o estado em que a cobertura vacinal estava até à data. E decerto este aspecto estará a ser levado em conta, pelo governo de Donald Trump.

Outra notícia que a todos nos envergonha, e esta por cá, foi a de que nos últimos três anos morreram 757 idosos sozinhos em casa nos centros urbanos portugueses.

De acordo com os dados fornecidos pela PSP, em 2022 morreram sozinhas em casa 258 pessoas com mais de 65 anos, em 2023 outras 237 e em 2024 mais 262, num total de 757. Do total de mortes, 60% (455) foram homens e 40% (302) mulheres.

As situações “ocorreram um pouco por todo o país” e chegaram ao conhecimento da PSP “através de vizinhos, familiares ou amigos”. A Polícia de Segurança Pública recorda que no ano passado foram sinalizados durante a operação de proximidade “A Solidariedade Não Tem Idade – A PSP com os idosos” 918 pessoas com mais de 65 anos, das quais 487 “foram de imediato encaminhadas para instituições de apoio social”.

A PSP acrescenta que, “pelas suas limitações de locomoção e fragilidades psíquicas”, os idosos são mais vulneráveis a burlas e agressões, entre outros crime, o que associado à “sensação de abandono (solidão) e do flagelo social do isolamento, próprio das grandes urbes” e, pontualmente, a carências económicas agrava o seu “risco de (re)vitimização”.

“E todas estas variáveis, sem um círculo familiar e/ou de vizinhança ativo e solidário, potenciam as situações de anonimato que inviabilizam eventuais intervenções de natureza assistencial, podendo mesmo, por vezes, culminar na morte do idoso”, conclui a PSP.

Curiosamente, todos nós conhecemos histórias de familiares totalmente desinteressados de idosos enquanto vivos, mas altamente interessados nas heranças que estes deixam.

A nossa repressão social sobre estas situações é pouca, e a vergonha própria é ainda menor. E, assim continuamos, “cantando e rindo…”.

>>>>> A homenagem da semana: como fazer a Europa grande outra vez…?

No “New England Journal Medicine”, de 2 de Abril (2025; 392: 1310-1319) podemos ler o artigo “Associação entre riqueza e mortalidade nos Estados Unidos e na Europa”, de Sara Machado, Ph.D., et al.

Face à crescente disparidade de riqueza, constata-se que há pouca informação sobre como a saúde dos americanos mais velhos se compara com a dos europeus mais velhos, ao longo de toda a distribuição de riqueza.

Para isso, os autores realizaram um estudo de coorte longitudinal e retrospectivo envolvendo adultos entre os 50 e os 85 anos de idade, que foram incluídos no “Health and Retirement Study” e no “Survey of Health, Ageing, and Retirement in Europe”, entre 2010 e 2022.

Os quartis de riqueza foram definidos de acordo com a faixa etária e o país, com o quartil 1 compreendendo os participantes mais pobres e o quartil 4 os mais ricos.

Em 73.838 adultos (idade média [±DP], 65±9,8 anos), maior riqueza foi associada a menor mortalidade.

A diferença na sobrevivência entre os quartis de riqueza superior e inferior foi maior nos Estados Unidos do que na Europa.

A sobrevivência entre os participantes nos quartis de riqueza superior no norte e oeste da Europa e no sul da Europa pareceu ser maior do que entre os americanos mais ricos.

A sobrevivência no quartil mais rico dos EUA parece ser semelhante à do quartil mais pobre do norte e oeste da Europa.

A arte dos governantes europeus, agora, é conseguir manter este desempenho. A dos governantes americanos será a de eliminar este hiato.

Mário Freitas
Médico do Trabalho e de Saúde Pública

Saúde (do) Pública(o) (12): sobre limites e faróis de Liberdade![No Diário dos Açores, de dia 02/04/2025] >>>>> O tema d...
02/04/2025

Saúde (do) Pública(o) (12): sobre limites e faróis de Liberdade!

[No Diário dos Açores, de dia 02/04/2025]

>>>>> O tema da semana: são os médicos do trabalho médicos com restrição nos seu direitos?

Portugal dispõe de 1200 médicos de medicina do trabalho, uma classe envelhecida e que está proibida de trabalhar mais de 150 horas por mês, uma limitação que a Ordem dos Médicos considera um "perfeito absurdo",

disse à Lusa a presidente do Colégio de Medicina do Trabalho da Ordem dos Médicos, a Dra Maria José de Almeida, médica com rara capacidade de liderança e de trabalho.

A Dra Maria José Almeida avançou que um estudo da Ordem dos Médicos indica que seriam necessários 50 médicos a entrar para a formação especializada anualmente, quando, na prática, ronda a metade.

A especialista admitiu que esse não é o número ideal, mas realçou ser necessário garantir "que os serviços com idoneidade formativa têm verdadeiramente condições para receber médicos internos", e os formar durante 4 anos com qualidade.

Além de tudo isto temos a agravante de o Estado, que exige aos privados o cumprimento da Lei, não a cumprir, e haverem ainda situações tão caricatas quanto o facto de o Estado, onde cumpre a Lei, deliberadamente deixar de a cumprir.

Voltarei a este tema num próximo artigo, porque é no trabalho que passamos a maior parte do nosso dia acordados, e porque a Autonomia permite pensar fora da caixa.

>>>>> A homenagem da semana: aos faróis de Liberdade, em tempos sombrios

No dia 29 de março, no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, ocorreu o lançamento do livro “Laboratório Progressista e a Tirania dos Imbecis”, da autoria de João Maurício Brás.

A sessão contou com a presença de João Maurício Brás, e do editor, José Manuel Costa. Um conjunto de gente não instalada, e boa, reuniu-se para um momento raro de Liberdade, onde se discutiu o presente e o futuro.

A este, que aqui escreve, coube a apresentação desta magníf**a Obra, apresentação que passo a reproduzir, para todos os que ainda tenham alguma dúvida da necessidade de a ler.

Nesta Obra, João Maurício Brás analisa criticamente a modernidade ocidental e o impacto do progressismo na ética, na moralidade e na identidade humana.

O autor argumenta que o Ocidente está a caminhar para uma degradação profunda, sob a ilusão de liberdade e progresso, mas na realidade promovendo um processo de desenraizamento, relativismo moral e destruição dos valores fundamentais da civilização.

1. Introdução: O Ocidente e a Ilusão do Progresso

Brás inicia a sua análise afirmando que o Homem moderno acredita estar mais evoluído e livre do que nunca, mas essa crença é ilusória.

Ao invés de progresso genuíno, a sociedade contemporânea está a afastar-se dos valores essenciais, entrando num estado de desorientação moral e existencial.

Principais pontos:

• Fim da ética e relativismo moral: A ética e a moral foram desacreditadas, e a ideia de que conceitos como "bem" e "verdade" são relativos tornou-se dominante.

• Legalidade como único critério: A moralidade foi substituída por um sistema jurídico que rege todas as esferas da vida, deixando de existir valores universais.

• A nova concepção do Homem: O progresso moderno defende um ser humano sem raízes, sem cultura e sem identidade fixa, aberto à manipulação e ao consumo desenfreado.

O autor argumenta que esta concepção leva à criação de um Homem fragmentado e sem referência, onde tudo o que não é proibido é permitido, incluindo a transformação da natureza humana através da tecnologia.

2. A Ilusão da Liberdade Ilimitada

Brás critica a ideia de liberdade irrestrita, promovida pelo liberalismo e pelo progressismo.

Segundo ele, a verdadeira liberdade não é a ausência de limites, mas sim a capacidade de escolher com responsabilidade.

Principais pontos:

• A negação dos limites: A sociedade moderna rejeita qualquer restrição como se fosse uma opressão, mas a ausência de limites conduz à decadência moral.

• A falsa liberdade progressista: A liberdade foi reduzida à escolha individual, sem consideração pelo bem comum, o que gera uma sociedade fragmentada e sem valores.

• Desenraizamento e solidão: A destruição dos laços sociais e culturais faz com que o indivíduo se sinta perdido e incapaz de encontrar um propósito real na vida.

O autor argumenta que este modelo de liberdade conduz a cenários absurdos, como a normalização de grávidas inseminadas com sémen post mortem ou a possibilidade de integração humana com máquinas.

Tudo em nome do "progresso", mas sem consideração pelos impactos morais e existenciais.

3. O Triunfo do Mundo Amoral

Aqui, Brás faz uma análise do impacto do progressismo no desaparecimento da ética e da moralidade.

Ele sustenta que, nas sociedades modernas, os valores tradicionais foram substituídos por um sistema jurídico e tecnocrático, onde tudo é permitido desde que seja legalmente aceitável.

Elementos centrais:

• A moral é considerada uma questão privada: Deixou de existir uma moralidade partilhada, sendo agora vista como um assunto individual e subjetivo.

• A sociedade é governada por leis e não por princípios: O que não é proibido pela lei é visto como moralmente aceitável, o que leva a uma sociedade sem sentido de responsabilidade.

• A ética do consumidor: A busca pelo prazer imediato e pelo consumo substituiu a procura por um sentido mais profundo da existência.

O autor cita Aleksandr Solzhenitsyn, que criticou a degeneração moral do Ocidente, afirmando que uma sociedade baseada apenas na legalidade perde o sentido do bem e do mal.

4. A Crise da Identidade e o Homem Desenraizado

Brás argumenta que a destruição das raízes culturais, familiares e espirituais criou um homem atomizado, sem pertencimento e sem valores partilhados.

Ideias principais:

• A negação da continuidade histórica: O passado é visto como um fardo, e tudo o que é tradicional é considerado opressor.

• A dissolução da identidade: Conceitos como masculino e feminino são desconstruídos, levando à perda de referências fundamentais para a organização social.

• O individualismo extremo: Cada pessoa é incentivada a viver apenas para si mesma, sem preocupações com a comunidade ou com o futuro da sociedade.

O autor destaca que esta nova visão é altamente manipulável, pois cria indivíduos isolados e frágeis, fáceis de controlar por elites políticas e económicas.

5. O Papel da Tecnologia e do Consumo na Destruição do Homem

O livro também discute o impacto da tecnologia e do consumismo na transformação da humanidade em mera mercadoria.

Pontos-chave:

• O culto da inovação pelo progresso: A tecnologia é promovida como a solução para todos os problemas, sem consideração pelos impactos morais e existenciais.

• A mercantilização da vida: Tudo se tornou um produto – desde o corpo humano até às emoções e relações sociais.

• O transumanismo como ameaça final: A crença de que os humanos devem evoluir através da tecnologia pode levar à aniquilação do próprio conceito de humanidade.

O autor sugere que esta obsessão pelo progresso tecnológico está a levar-nos para um caminho sem retorno, onde o homem deixa de ser um ser ético e passa a ser apenas um produto da engenharia social e biológica.

6. Conclusão: A Necessidade de Resgatar a Ética e os Valores Humanos

Na parte final do livro, Brás propõe um resgate da ética e dos valores civilizacionais como única forma de impedir a destruição do Ocidente.

Propostas do autor:

• Reafirmar a importância da ética e da moralidade na vida pública e privada.

• Resistir à cultura do relativismo e do progressismo radical, que destrói a identidade humana.

• Redescobrir a verdadeira liberdade – aquela que está ligada à responsabilidade e ao respeito pelos limites naturais da vida.

• Valorizar a continuidade histórica – em vez de rejeitar o passado, devemos aprender com ele e preservar o que há de melhor na nossa cultura.

O autor encerra o livro com um alerta de que o Ocidente está em risco de colapsar se não recuperar os seus valores essenciais.

Segundo ele, a sociedade moderna está a criar uma "civilização inumana", onde o homem perde a sua essência e se torna um mero agente de consumo e manipulação.

Enfim, mais uma magníf**a obra de João Maurício Brás, que a cada página nos apela à reflexão.

De leitura obrigatória!

Mário Freitas
Médico do Trabalho e de Saúde Pública

Saúde (do) Pública(o) (11): gestões possíveis e impossíveis >>>>> O tema da semana: como gerir algo (quase) impossível d...
19/03/2025

Saúde (do) Pública(o) (11): gestões possíveis e impossíveis

>>>>> O tema da semana: como gerir algo (quase) impossível de gerir…?

O NHS England é o órgão que administra o Serviço Nacional de Saúde na Inglaterra, e é o equivalente à Direcção Executiva do SNS em Portugal. Esse órgão vai ser fundido com o “Department of Health and Social Care” (DHSC), que é administrado por Wes Streeting, responsável britânico da saúde, para “cortar a burocracia” e devolver a gestão do serviço de saúde “ao controle democrático”, disse Keir Starmer (primeiro-ministro britânico) na 5a feira passada, no seu discurso sobre a reforma do Estado.

O NHS England tem 15.000 funcionários. O Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS) emprega cerca de um milhão e meio de pessoas, e é uma das maiores organizações do mundo.

Starmer pretende economia de custos e redução da burocracia.

“Não vejo porque é que decisões sobre 200 mil milhões de libras, dinheiro do contribuinte, em algo tão fundamental quanto o NHS, devem ser tomadas por um órgão independente, o NHS England”, disse o primeiro-ministro.

“O dinheiro pode e deve ser gasto em enfermeiros, médicos, operações, consultas de clínica geral.”

Criado em Outubro de 2011, o nome deste órgão mudou para “NHS England” na Primavera de 2013, quando Jeremy Hunt substituiu Andrew Lansley como secretário de saúde. Desde então, o NHS England e o DHSC têm tido muitas equipas de funcionários, que fazem aproximadamente a mesma coisa.

O NHS England dirige, gere e supervisiona todo o serviço de saúde na Inglaterra, e é responsável por garantir que os principais tempos de espera do NHS, sejam cumpridos.

Starmer prometeu em campanha que o seu governo executaria a reforma mais radical do serviço, desde a sua criação em 1948.

Em Portugal temos uma Direcção-Executiva do SNS de utilidade duvidosa.

É ponto assente que é fundamental avaliar, estudar e propor melhorias na gestão dos recursos de saúde, tanto a nível nacional como a nível regional.

O Serviço Regional de Saúde (SRS) dos Açores, cujo financiamento é baseado no modelo Beveridge, sustentado principalmente por transferências do Orçamento da RAA, tem um custo per capita superior ao do continente português, e enfrenta inúmeros desafios, apresentando factores que impactam negativamente a eficiência e a sustentabilidade financeira do sistema de saúde regional, nomeadamente os custos médios de internamento hospitalar, ou os custos médios com a disponibilização dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica e cuja diferença está associado à insularidade, isolamento e respectiva dispersão populacional, além dos condicionalismos meteorológicos.

Obviamente que para tal é fundamental, tanto a nível regional como nacional, ter uma estrutura autónoma, que cumpra estes desideratos. Uma estrutura com pessoas que conheçam bem, quer o SNS quer o SRS.

Essa estrutura deve ter os recursos adequados para exercer o seu papel.

Agora, outra coisa bem diferente é criar um órgão pesado, para gerir aquilo que tem de ser gerido politicamente e pela tutela, uma espécie de contrapoder ao poder, contrapoder tantas vezes já exercido por entidades corporativas e sindicais. Ir por este caminho, é ir no caminho errado.

Como os britânicos perceberam agora, e como nós perceberemos (provavelmente) dentro de 5 a 10 anos.

>>>>> A homenagem da semana: à actuação das autoridades de saúde de Queensland

O vírus da encefalite japonesa (VEJ), potencialmente mortal, foi encontrado pela primeira vez, em mosquitos, em Brisbane (na costa leste da Austrália).

O Departamento de Saúde local está preocupado com o aumento do risco de exposição humana, após as recentes inundações.

O primeiro-ministro de Queensland disse que o governo está a trabalhar para administrar vacinas VEJ aos moradores afectados pelas cheias.

A responsável da saúde, Heidi Carroll, disse que os moradores de Queensland devem ser extremamente cautelosos para não serem picados por mosquitos, em todo o Estado.

Embora a maioria das pessoas infectadas com o VEJ tenha sintomas leves, ou nenhum sintoma, outras podem desenvolver sintomas graves, 5 a 15 dias após a picada.

Em casos graves, as pessoas podem apresentar uma “inflamação do cérebro” e convulsões, que podem ser fatais, ou causar incapacidade permanente.

A Dra. Carroll disse que a melhor defesa contra o vírus é a prevenção.

"Água acumulada cria condições ideais para a reprodução dos mosquitos, por isso é importante que todos, sempre que possível, removam a água parada à volta das suas casas, após as chuvas e inundações ", disse.

"Sabemos que é comum o aumento do número de mosquitos com o clima quente e húmido, e com o aumento no número de mosquitos aumenta o risco de contrair doenças transmitidas pelos mosquitos, como o VEJ."

A Dra. Carroll incentiva os moradores de Queensland a evitar picadas de mosquito usando repelentes contendo DEET, assim como usar roupas compridas, largas e de cores claras, redes mosquiteiras e inseticidas.

Os mosquitos são infectados com VEJ após picarem porcos ou aves infectadas. O VEJ pode então atingir os humanos, através da picada de um mosquito infectado.

A Dra. Carroll disse que pessoas com maior risco de exposição ao vírus foram aconselhadas a vacinar-se.

"Trabalhadores de suiniculturas correm risco acrescido de exposição ao VEJ devido ao seu trabalho".

A vacina anti-VEJ está disponível em mais de 100 centros de vacinação em Queensland, incluindo consultórios médicos, farmácias e centros de vacinação comunitários.

A vacina é gratuita para os cidadãos de Queensland seleccionados como de maior risco.
Desde 2022 mais de 18.000 habitantes de Queensland foram vacinados contra o VEJ.

Mário Freitas
Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores

Saúde (do) Pública(o) (10): lições aprendidas de um passado recente: vacinar e testar. Sempre e muito. >>> O tema da sem...
12/03/2025

Saúde (do) Pública(o) (10): lições aprendidas de um passado recente: vacinar e testar. Sempre e muito.

>>> O tema da semana: o surto de Sarampo, nos EUA

Na semana passada aconteceu a segunda morte pelo mais recente surto de sarampo nos EUA, com os casos a subirem para mais de 200.

Desta feita foi a morte de um adulto do Novo México, que ocorreu depois da de uma criança de 6 anos, pela mesma doença, no Texas, na semana anterior.

O adulto, não vacinado, não procurou qualquer ajuda médica antes da morte. O laboratório científico do departamento de saúde do Estado confirmou a presença do vírus do sarampo na pessoa.

A pessoa residia no Condado de Lea, onde já ocorreram, pelo menos, 30 casos de sarampo. O Condado de Lea f**a junto à fronteira com o Condado de Gaines, Texas, onde o surto está centrado, como já aqui referi numa destas minhas crónicas. Pelo menos 7 dos indivíduos infectados não estavam vacinados.

No total, 228 casos foram reportados nos 2 Estados. As Autoridades acreditam que o número real é muito maior.

As Autoridades estaduais, seguindo as melhores práticas, não divulgaram a idade, s**o e antecedentes pessoais subjacentes. Porém, não revelaram também se o rastreio de contactos está a decorrer, para identif**ar outras pessoas que possam ter sido expostas a um dos vírus mais contagiosos do mundo, o que deveria ter sido feito, na minha opinião. O vírus é transmitido pelo ar, e espalha-se facilmente quando uma pessoa infectada respira, espirra ou tosse.

A morte deste adulto ocorre depois da morte, em 26 de fevereiro, no Texas, da criança de 6 anos não vacinada e saudável. Esta que foi a primeira morte por sarampo desde 2015, nos EUA.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA está a monitorizar a situação, e em comunicação com as autoridades estaduais de saúde, e recomenda a vacinação, como a melhor protecção contra o sarampo.

O surto de sarampo representa a primeira grande crise de saúde para o Secretário da Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr.. Kennedy disse que as vacinas contra o sarampo protegem as crianças e contribuem para uma imunidade mais ampla na comunidade.

Estas mortes são uma recordação trágica da gravidade desta doença. Nos casos de sarampo, 1 em cada 5 casos requer hospitalização, e aproximadamente 1 ou 2 em cada 1000 casos resultam na morte do doente.

>>> A homenagem da semana: ao Lar do Nordeste (e à Autoridade de Saúde local)

A Delegação de Saúde de Nordeste recebeu, no dia 3 de Março, a notif**ação da existência de casos de gripe A no Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia do Nordeste. O Lar tem 54 residentes e, como é comum nesta época do ano, alguns apresentam sintomatologia gripal. Tal como a população em geral. Apenas 2 residentes não têm a vacinação em dia, por sua própria opção, estando os demais residentes vacinados.

Sabe-se que 4 residentes com quadro mais grave, incluindo os dois não vacinados, acabaram por ser internados no Hospital do Divino Espírito Santo.

Em articulação estreita com a Direção Técnica do Lar, as medidas de contingência foram de imediato activadas. No Lar, os residentes que apresentavam sintomatologia gripal foram isolados dos que não apresentavam qualquer sintomatologia, não devendo circular nas áreas comuns do Lar.
Os profissionais foram divididos em grupos que prestam cuidados de forma exclusiva ao grupo assintomático, ou ao grupo sintomático.
Foi determinada a utilização de equipamento de proteção individual, e a utilização de máscara passou a ser obrigatória.
Para salvaguarda dos residentes, e melhor controlo do acontecimento, as visitas à instituição foram suspensas.

A testagem de todos os utentes (segundo as melhores práticas de Saúde Pública) na última 4a feira, revelou 15 utentes positivos, todos assintomáticos ou ligeiramente sintomáticos, o que indicia que o surto se encontrava já numa fase de resolução. Testar é sempre a melhor forma de detectar casos e controlar surtos. Como se tornou popular durante a Pandemia, é a melhor forma de “ver a luz ao fundo do túnel”.

A Autoridade de Saúde Concelhia, inexcedível na sua actuação, sem hesitações, manteve constante comunicação com a Coordenação Regional de Saúde Pública e com a Autoridade de Saúde Regional, monitorizando permanentemente os acontecimentos, possibilitando assim que se tomassem de imediato as medidas necessárias em cada momento.

As autoridades de saúde locais, a realizarem um ponto de situação permanente com todos os lares, não foram notif**adas de outros casos.

Os números neste evento mostram que os casos graves ocorrem com uma probabilidade 26 vezes maior nas pessoas não vacinadas, comparando com as vacinadas, sendo uma demonstração cabal da importância desta importante medida de Saúde Pública.

Vacinar salva vidas!

Mário Freitas
Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores

Endereço

Campo Grande
Lisbon
1700

Website

Notificações

Seja o primeiro a receber as novidades e deixe-nos enviar-lhe um email quando Saúde Pública para Epidemiologistas doutorados pelas redes sociais publica notícias e promoções. O seu endereço de email não será utilizado para qualquer outro propósito, e pode cancelar a subscrição a qualquer momento.

Entre Em Contato Com A Prática

Envie uma mensagem para Saúde Pública para Epidemiologistas doutorados pelas redes sociais:

Compartilhar

Share on Facebook Share on Twitter Share on LinkedIn
Share on Pinterest Share on Reddit Share via Email
Share on WhatsApp Share on Instagram Share on Telegram