19/09/2024
“Ele precisa de controlar a sua raiva…” é uma expressão cada vez mais comum em muitas mães. E traduz a perplexidade e a impotência com que elas vivem os episódios de ira descontrolada dos seus filhos. Daqueles em que eles parecem ficar “cegos de raiva”. E, como vulcões em erupção, batem com os pés, batem com as portas, gritam, esbracejam, ficam vermelhuscos e explosivos e se transfiguram. E parecem ser capazes de levar por diante todos e quaisquer obstáculos que se coloquem à sua frente.
Será a raiva desmedida uma nova epidemia atípica das crianças mais pequenas? Ou, por outras palavras, porque é que há cada vez mais crianças que pedem ajuda para controlarem a sua raiva?
A raiva é tão natural como a sede. Na verdade, a raiva é o melhor ansiolítico e o melhor antidepressivo do mundo. Sempre que uma criança está assustada ou muito embrulhada com as suas tristezas a raiva é um “sai-me da frente!”. Que funciona um bocadinho como um aguaceiro que limpa o céu e torna o tempo mais ameno. Que alívio!
Todas as crianças têm raiva. Aquelas que fazem um esforço maior para ser controladas e atiladas são as que a vivem de forma mais impulsiva e mais “descontrolada”. Outras, viram a raiva para dentro. Mas ficam sorumbáticas e amuam. Outras, ainda, encontram um pequeno pretexto para os seus vómitos de raiva, e fazem birras.
A raiva é a outra face da paixão. Crianças sem raiva são crianças encolhidas. Um bocadinho adoentadas. A precisar dum safanão de vida.
As crianças que usam a raiva num repente de “mau feitio”; aquelas que a transportam para as ganas com que vivem um jogo; as que têm “mau perder”; as que a transformam em garra; ou as que a vivem na paixão com que brincam, são as mais saudáveis.
As crianças só parecem ter, hoje, mais episódios de raiva porque as obrigamos a estar muito mais quietas e caladas. Porque passam a vida a controlar-se. E correm pouco, brincam de forma mais apertada e sujam-se de menos. Porque convivem quase nada umas com as outras. Porque fazemos demais de seus polícias da brincadeira. E porque, como pais, as queremos mais exemplares, mais sossegadinhas e menos barulhentas do que elas precisam de ser para serem crianças.