
21/07/2025
— Não é justo, mãe! Porque é que a Mariana pode faltar ao conservatório e eu não? — gritei, sentindo o nó na garganta apertar-se ainda mais. A minha mãe olhou-me com aquele olhar cansado, como se já tivesse ouvido esta discussão mil vezes.
— Leonor, cada uma tem as suas responsabilidades. A Mariana tem o ballet, tu tens o piano. Não compares, filha.
Mas era impossível não comparar. Desde que me lembro, tudo em casa girava à volta da minha prima Mariana. Ela era a filha perfeita da tia Teresa: notas excelentes, campeã de ginástica, sempre sorridente e rodeada de amigos. Eu era a irmã mais velha, a que devia dar o exemplo à minha irmã mais nova, Matilde, mas sentia-me sempre aquém. Ouvia os sussurros nas festas de família: "A Mariana já ganhou outro prémio", "A Leonor podia esforçar-se mais".
O pior era que Matilde, dois anos mais nova do que eu, parecia ter herdado o brilho da Mariana. Era extrovertida, fazia amigos com facilidade e tirava boas notas sem grande esforço. Eu lutava por cada ponto nos te**es, por cada sorriso dos professores. Sentia-me invisível.
Foi por isso que, quando o nosso irmão mais novo, o Tomás, nasceu, prometi a mim mesma que ele não ia passar pelo mesmo. Ia ajudá-lo a ser melhor do que eu fui — ou melhor, melhor do que todos nós. Talvez assim a mãe finalmente se orgulhasse de mim.
Tomás era um miúdo doce, mas distraído. Gostava de desenhar monstros e construir cidades de Lego no chão da sala. Não ligava a competições nem a prémios. Mas eu via nele uma oportunidade: se ele brilhasse, talvez eu também brilhasse um pouco através dele.
Comecei devagar. "Tomás, porque não te inscreves no clube de xadrez? Dizem que é bom para o raciocínio." Ele encolheu os ombros, mas lá foi. Depois foi o futebol — "Todos os rapazes jogam! Vais fazer amigos!" — e as aulas de inglês ao sábado de manhã. Cada nova atividade era uma peça no puzzle da minha redenção.
A mãe achava graça ao meu entusiasmo. "Deixa o rapaz respirar, Leonor", dizia entre risos. Mas eu insistia: "É para o bem dele!"
O Tomás começou a ficar cansado. Chegava a casa com olheiras, largava a mochila no chão e desaparecia para o quarto sem dizer nada. Uma noite ouvi-o chorar baixinho. Entrei sem bater.
— O que se passa?
Ele limpou as lágrimas com as costas da mão.
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