
06/09/2025
— Não acredito que estás aqui, Inês. — A minha voz saiu mais fria do que eu queria, mas não consegui evitar. O som da chuva a bater nas janelas misturava-se com o choro contido das crianças, agarradas às pernas da mãe. Inês olhou-me nos olhos, cansada, os cabelos colados à testa, e disse apenas:
— Preciso de ficar aqui uns dias, Leonor. Não tenho para onde ir.
Fiquei parada à porta, sentindo o peso de anos de silêncios e pequenas discussões. Inês nunca me aceitou verdadeiramente como mulher do pai dela. Sempre fui "a outra", mesmo depois de tantos anos. E agora estava ali, com duas crianças assustadas e duas malas velhas, a pedir abrigo.
O meu marido, António, estava a trabalhar no turno da noite no hospital. Não fazia ideia do que se passava. Senti um nó no estômago: o que diria ele? E os vizinhos, sempre tão atentos a tudo?
— Entrem — disse finalmente, afastando-me para lhes dar passagem. As crianças passaram primeiro, tímidas, olhando para mim como se eu fosse uma estranha. Inês entrou por último, arrastando as malas pelo chão de madeira.
Fechei a porta devagar. O cheiro a terra molhada invadiu o corredor. Levei-os até à sala e tentei sorrir para os miúdos.
— Podem sentar-se ali no sofá. Vou buscar umas toalhas secas.
Enquanto subia as escadas para ir ao armário dos lençóis, o meu coração batia descompassado. Lembrei-me da primeira vez que conheci Inês: tinha 14 anos e um olhar desconfiado. Nunca me perdoou por ter casado com o pai dela depois da morte da mãe. Durante anos tentei aproximar-me, mas cada tentativa era recebida com frieza ou ironia.
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