22/02/2024
A qualidade da comunicação.
O bem-estar e o desenvolvimento da criança dependem, em primeira análise, da qualidade da comunicação.
Toda a gente sabe isso – dirão!
Na realidade parece óbvio e banal, mas quero dizer-vos que grande parte dos problemas que os pais nos colocam nas consultas de pediatria, têm a ver directamente com as dificuldades de interacção com a criança ou desta com o meio que a rodeia. E a solução desses problemas passa sempre por uma melhoria qualitativa da comunicação com a criança.
Mas, vamos por partes! De que comunicação estamos a falar?
Vejam, por exemplo, como é gratificante para nós, adultos, olhar um recém-nascido olhos-nos-olhos e receber dele sinais de prazer e de reconhecimento, observar como somos capazes de lhe transmitir segurança e conforto. Não…, não é apenas gratificante, no fundo nós acabamos por sentir-nos influentes, competentes, inchados de orgulho … é perfeitamente natural que assim aconteça!
Imaginem agora o que sentirá o bebé nesses momentos. Que prazer lhe dará aquele olhar tranquilo, aquela voz que tão bem conhece, aquela mão quente e segura que o acaricia e aconchega? Quantas cólicas não passam então despercebidas? Quantos choros, lamúrias e angústias se desvanecem?
Esta interacção mutuamente satisfatória é sempre geradora de saúde e desenvolvimento.
Mas por vezes ela não é imediatamente assim.
Há mães e pais que não se aperceberam ainda da importância da comunicação com o bebé, e que se preocupam apenas com a possibilidade daquele choro esconder uma cólica, um sofrimento, uma doença, partindo fácil e frequentemente para os passeios frenéticos no corredor abanando o seu bebé, como se a correria o acalmasse, ou para o uso imoderado de gotas para as “cólicas”…
Temos de convencer estes pais a falar com ele, porque ele ouve, vê e sente tal como eles. Temos de lhes demonstrar que o seu bebé é capaz de retribuir e comunicar com um esgar de sorriso, com um olhar longo e curioso, e que ele reconhece a emoção dos gestos e das palavras. “Ainda não sabe a letra, mas sabe a música”…
Outros também se angustiam e deprimem, e desistem facilmente deste “diálogo”, ficando por isso menos disponíveis afectivamente para se relacionarem com ele. E ele sente que os seus principais interlocutores estão a desistir!
Claro que também há bebés hiperactivos e inconsoláveis que choram, choram sem parar. Nesses a comunicação é ainda mais importante. Em todos estes casos os sintomas são o choro, a dor tipo cólica ou a recusa alimentar... e a “doença” não cura com medicamentos.
É preciso que algo mude na interacção com o bebé, que os pais aprendam a conhecer muito bem a criança e os seus comportamentos e que se apercebam da importância da dimensão afectuosa da sua relação para que o problema se resolva.
À medida que a criança cresce a importância da comunicação é cada vez maior.
No âmbito estrito da família o maior obstáculo à comunicação é, sem dúvida, a falta de tempo.
Como não damos grande importância à comunicação com a criança, ela perde em favor da telenovela, do futebol, dos desenhos animados, dos trabalhos de casa, dos vídeos, dos computadores, etc.. e a pouco e pouco, apesar de vivermos algum tempo (pouco) em família, vamo-nos sentindo todos cada vez mais solitários e mais isolados.
Não há diálogo, nem há espaço e tempo para que ele aconteça. O ritmo de vida alucinante da maior parte das famílias, em que o “casa-emprego-casa-televisão-cama” é o modelo mais corrente, não deixa lugar a grandes diálogos.
Neste contexto era previsível um aumento na prevalência de doenças psicossomáticas em idades pediátricas. De facto é cada vez mais frequente o número de crianças que evidencia sinais e sintomas de origem psicogénica de certo modo induzidos ou potenciados pela falta de tempo e de diálogo entre pais e filhos.
É altura de fazer alguma coisa para inverter esta tendência.
Temos de estar mais atentos para as necessidades e dificuldades dos nossos filhos. Temos de estar mais disponíveis para dialogar e comunicar com eles, para os conhecermos e compreendermos melhor.
Vai ser necessário convencer as pessoas de que a grande prioridade para melhorar a saúde, o desenvolvimento e a educação das crianças é melhorar a qualidade da comunicação no interior das famílias.