24/10/2025
Partilhamos o artigo de opinião da Dra. Patrícia António, Directora Associada e colaboradora do Espaço N - Neurociências, Saúde e Desenvolvimento de Lisboa, publicado na edição de ontem, 23 de Outubro de 2025 do Jornal de Leiria, intitulado - "Sentir e pensar sem paredes".
Texto integral aqui:
"10 de Outubro de 2025. Dia Mundial da Saúde Mental. Dia em que tive o prazer de participar no I Encontro de Inovação e Promoção da Saúde Mental – Novos Tempos, Novos Lugares, onde se cruzaram a investigação — que acrescenta sentido ao que vivemos na prática clínica — e a prática clínica — que, ao dialogar com a investigação, acrescenta hipóteses e abre caminhos de conhecimento. O encontro, que teve lugar no Hospital CUF Tejo, em Lisboa, revelou-se um momento eclético e rico, dedicado à inovação e à promoção da saúde mental, com elevada qualidade científica. Participei na mesa “Novos Lugares em Psicologia Clínica”, onde foram apresentados três projectos clínicos inovadores que procuram promover, cada um à sua maneira, a acessibilidade a cuidados especializados mais humanizados, para além dos muros que historicamente têm limitado a nossa intervenção: o Be a Mom!, programa digital de prevenção pós-parto, da equipa da colega Maria Cristina Canavarro (Universidade de Coimbra); o iTREATOCD, modalidade digital de suporte terapêutico a doentes com Pertubação Obsessiva Compulsiva (POC), da equipa da colega Mafalda de Sousa (Universidade do Minho); e o Projecto Consulta sem Paredes, da Equipa Manicómio, do qual faço parte. A minha comunicação, “Sentir e pensar sem paredes: um paradigma psicoterapêutico”, esteve ancorada na experiência clínica de trabalhar fora de portas, em particular no âmbito da Consulta sem Paredes, em colaboração com o MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. Neste projecto, as consultas de psicologia clínica, psiquiatria, psicoterapia e terapia familiar, ocorrem em espaços inesperados, públicos, abertos ao mundo e à criatividade, como a sala de um museu, uma biblioteca ou um jardim, onde o par terapêutico se tornam no próprio setting terapêutico e a relação se constrói no seio de um continente seguro, de intimidade e objectivos partilhados, assegurado pelo terapeuta. Nestes novos lugares ou settings terapêuticos ampliados, a relação psicoterapêutica mantém a sua profundidade e rigor ético, deontológico e científico, mas vai ao encontro das pessoas, onde elas estão — dando visibilidade, pertença e dignidade ao seu sofrimento psíquico. E isso conta. No dia em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) assinala o Dia Mundial da Saúde Mental, este encontro lembrou-nos uma realidade incontornável: continuam a existir demasiadas pessoas sem acesso a cuidados especializados. E como sabemos, não existe saúde sem saúde mental, nem saúde mental sem o ambiente e as relações que a sustentam. Já não basta falar do aumento contínuo dos quadros de ansiedade e depressão em crianças, jovens, adultos e idosos, cada vez mais isolados e imobilizados na sua dor, dentro de corpos que não são tocados física e emocionalmente. É necessário inovar e criar, nestes novos tempos, novos lugares de cuidado emocional. Ir para o mundo, para a rua, para fora do consultório continua a ser o mesmo desafio de outrora: criar dispositivos terapêuticos acessíveis a todos, onde a humanidade do terapeuta e da pessoa se encontram. É aqui que a investigação e a prática clínica podem dialogar e fecundar-se mutuamente, expandindo o espaço interno e externo de ambos. Trata-se, no fundo, de criar um espaço vivo, de estar presente e dar-lhe vida. Porque a saúde mental é um assunto que nos deve interessar a todos. Falar sobre ela é uma responsabilidade comum e deve ser uma prioridade — um direito, e não um luxo! A OMS define a saúde mental como um estado de bem-estar que permite a cada um de nós realizar as suas capacidades e potencial, lidar com o stress normal do dia-a-dia, trabalhar produtivamente e contribuir activamente para a sua comunidade. Em causa estão conceitos como saber lidar com as incertezas da vida, reconhecer a nossa vulnerabilidade e, simultaneamente, não perder de vista o apoio e a cooperação humana, a criatividade e o entusiasmo — ingredientes que nos tornam vivos e nascem da relação viva com os outros. “Sentir e pensar sem paredes” é, afinal, a expressão de uma clínica viva."