05/12/2020
Carlos Amaral Dias - 26 de agosto de 1946 a 03 de dezembro de 2019.
EFEMÉRIDE
Faz hoje um ano que morreu o nosso Amigo e Mestre Carlos Amaral Dias.
Deixou um vazio e uma saudade que não se podem descrever por palavras.
O Prof. Amaral Dias era com quem íamos ter quando alguma dúvida nos roía no tratamento a um paciente, na escrita de um texto, na preparação de uma conferência. Ele ouvia a questão com uma cara muito séria e depois comentava. Iniciava-se uma discussão profícua, e depois já havia lugar a gargalhadas (era um prazer ouvir o Carlos rir-se).
A importância de Carlos Amaral Dias no desenvolvimento da psicanálise não consegue ser exagerada. Com uma obra extensa e uma presença internacional constante durante muitos anos, muito especialmente no Brasil onde dava aulas, o seu pensamento original impunha-se a quem quer quer que o ouvisse.
O Carlos tinha o que comummente se designa pelo dom da palavra. Podia discorrer durante horas, sem que nos cansássemos de o ouvir. Era, numa palavra, brilhante. Uma mente brilhante.
Uma mente brilhante deve ser um fardo difícil de carregar. Não espanta que por vezes estivesse mal disposto, sobretudo depois do AVC que sofreu em 2012. Custava-lhe, entre outras coisas, suportar a estupidez que, no entendimento de Bion, é uma forma de arrogância da mente.
Deve ter sido muito difícil suportar uma mente como a dele enclausurada num corpo semi-paralisado. Mas o Carlos gostava da vida, de conversar, de comer, de beber, de estar com a família e os amigos. Era isso que o fazia avançar, apesar das imensas dificuldades.
O Prof. Amaral Dias recorria com frequência a outros autores, e fazia muito bem, porque é assim que a ciência avança, uns alcandorados nos ombros dos outros. Bion, Green, por vezes Lacan e Freud, sempre Freud. Acontecia uma coisa espantosa. Estava-se a falar de um escrito de Freud e ele pedia que lhe fosse buscar o livro. Sabia exactamente qual o volume e o lugar na página onde estava a asserção de Freud. Não se trata apenas de uma boa memória visual, claro. Ele leu e releu centenas de vezes Freud. Os seus dois volumes de Freud para Além de Freud, são magníficos de argúcia e capacidade de interpretação.
Várias vezes tentámos que a obra dele fosse traduzida para inglês, tendo-me eu oferecido para a edição e introdução. Infelizmente nunca chegou a ser possível, o que no meu entender é uma falha no corpus da psicanálise contemporânea.
Sei que o Carlos continua vivo dentro de nós, os seus discípulos e amigos que nunca o esquecerão. Foi uma presença incontornável durante décadas, que o continue a ser na nossa memória e através da inestimável obra que nos deixou.
Clara Pracana, em nome da Direção da AP
Lisboa, 3 de Dezembro de 2020