A Psicóloga Sara

A Psicóloga Sara https://www.apsicologasara.com/ Ajudo-a(o) a despertar o poder de cura que há em si. Vamos junta(o)s? Olá a todos! Sejam bem-vindos!

No Dia do Psicólogo, resolvi criar esta página com o intuito de poder partilhar com todos a minha caminhada nestas tão nobres “artes” que são a Psicologia e a Psicoterapia. Aqui, poderão descobrir um pouco mais acerca dos grandes temas da psicologia, compreender melhor o que acontece em psicoterapia e conhecer mais do meu trabalho. Irei partilhar algumas coisas do que sei e faço para que outras pessoas também se possam beneficiar com estas partilhas ao longo dos seus caminhos. Através desta página irei também publicar actividades e eventos nos quais participo ou que recomendo. Poderão também encontrar aqui muita informação, credível e validada, que ajude a um maior conhecimento sobre vós mesmos e ao processo de desenvolvimento pessoal. Estão todos convidados a participar e a deixar os vossos comentários e mensagens privadas, que eu terei todo o gosto em responder. Feliz Dia do Psicólogo, queridos!

Quem lhe disse que precisava de autorização? Quem foi a primeira pessoa a convencê-la de que, para ser quem é, tinha de ...
14/11/2025

Quem lhe disse que precisava de autorização? Quem foi a primeira pessoa a convencê-la de que, para ser quem é, tinha de pedir licença?

A verdade é esta: crescemos treinadas para servir abnegadamente. Não é exagero, é programação de fábrica. Aprendemos que o amor se mede pela renúncia. E internalizámos tão bem a lição que passámos a viver como candidatas permanentes a aprovação — como se houvesse um balcão imaginário onde se emitem licenças de viver. Licença para descansar. Licença para dizer "não". Licença para brilhar sem culpa. Licença para respirar. Só que esse balcão, claro, está sempre fechado.

No outro dia, depois do jantar, levantei-me da mesa já cansada. O meu corpo gritava para desabar no sofá, estender as pernas, deixar a digestão, a natureza e o silêncio fazerem o seu trabalho. Mas o que é que fiz? Fui direita à cozinha, comecei a arrumar pratos, a limpar bancadas, como se a ordem das coisas fosse mais urgente do que a minha própria ordem interna. Não havia ninguém a mandar-me fazê-lo. Era eu, voluntária e cúmplice, a repetir um automatismo aprendido: primeiro os outros, as coisas e depois — talvez, quem sabe — depois eu... No fundo, estava à espera de uma autorização fantasma. E a pergunta ecoou: de quem estou eu à espera para simplesmente — qual Padeira de Aljubarrota —arremessar o meu corpo, pá-para-toda-a-obra, ao sofá?

E não é só comigo, ou não é só na cozinha. É no trabalho, quando aceita infindas tarefas que não lhe cabem só para não parecer “difícil”. É no corpo, quando come o que sobrou em vez daquilo que realmente desejava. É no comboio, quando se encolhe no assento para não ocupar demasiado espaço. A vida inteira está cheia destes pequenos gestos de auto-anulação, tão normalizados que já nem reparamos.

Só que viver à espera de autorização tem um preço devastador. Rouba-lhe a vida.

E o corpo sabe disso melhor do que a cabeça: enquanto espera pela aprovação alheia, o corpo fecha-se, o maxilar trava, a respiração encurta. É a fisiologia da submissão. Mas quando ousa autorizar-se a agir, mesmo que em pequenos gestos, o corpo floresce: os ombros soltam-se, a respiração desce até ao fundo, e a pele parece ganhar mais luz.

Ninguém lhe vai dar autorização para viver em pleno. A assinatura que falta é a sua — e talvez a terapia seja a caneta.

— A minha crónica deste mês – "De quem está à espera para se autorizar a viver o que é seu?" – está publicada na edição de Novembro da Revista LuxWoman, nas bancas.

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Enquanto homens medíocres se acham semi-deuses, as mulheres lidam com a síndrome da impostora e a dúvida constante. Aute...
06/11/2025

Enquanto homens medíocres se acham semi-deuses, as mulheres lidam com a síndrome da impostora e a dúvida constante. Autenticidade feminina não é vaidade: é resistência, revolução e reconexão com quem realmente somos. Enquanto isso, nalgum bar qualquer perto de si, um homem pífio ergue o copo de cerveja como se fosse o cálice sagrado do Olimpo e sente-se um autêntico semi-deus.

Num escritório típico isso é muito comum: a mulher com mestrado, pós-graduação, horas incontáveis de estudo, ainda hesita antes de dar a sua opinião; já o colega que mal leu o briefing fala com a convicção de quem anuncia as tábuas de Moisés. Nas relações, repete-se: as mulheres fazem malabarismos emocionais e logísticos para manter a casa em pé, mas duvidam do seu valor; já os homens esquecem garbosamente todos os aniversários e ainda exigem aplausos. É a auto-estima inflacionada como moeda cultural.

Esta pedagogia da insuficiência não é acidental — é rentável. A indústria da moda, da cosmética, do fitness, até da espiritualidade de Instagram, cresce na medida em que nós diminuímos. A lógica é simples: mulheres inseguras consomem mais.

Mas a coisa não se f**a por aí. Marilyn Frye captou com precisão até onde vai o taco a taco do mano a mano, revelando como os homens reservam para si uma devoção que nunca oferecem às mulheres. Refere que “A cultura heterossexual masculina é homoafectiva, ela cultiva o amor pelos homens.” A admiração, a veneração, a verdadeira lealdade são quase sempre reservadas a outros homens. Eles erguem-se em pedestais mútuos — no desporto, na política, na academia, até nos podcasts de masculinidade tóxica que infestam a tão “recente” manosfera. E as mulheres? Para elas resta a função de servas emocionais, se***is, devotas. A nós, oferecem patetice e paternalismo; a eles, o altar da reverência.

Às mulheres, desde pequenas, ensinam-se as micromensagens: “não fales alto”, “não te exibas”, “não sejas convencida”. Crescemos a pedir desculpa por existir. Já os meninos aprendem cedo a expandir-se: “mostra o que sabes”, “impõe-te”, “manda / controla / domina / agride”. Quando adultos, nós internalizamos a dúvida de sermos “sujeitos”; eles, a certeza de serem a medida de todas as coisas.

E se este vazio que atravessa tanta gente não for um problema individual, mas o sintoma de uma engrenagem maior? Burnout, depressão, ansiedade, consumo compulsivo?

Ser autêntica não é auto-ajuda fofinha. Não é, portanto, “aceitar-se” ao bom e velho estilo motivacional da internet. É vandalismo existencial. É o contrário do que esperam de nós. É dizer basta ao encolhimento, ao pedido de desculpa por existir, à ideia de que só seremos “aceitáveis” se encaixarmos num molde feito por outros. Autenticidade é recusar a domesticação. É reivindicar a diferença como potência.

– A minha crónica de Outubro para a Revista LuxWoman está disponível online aqui, na sua versão aberta e integral. 👉 https://www.luxwoman.pt/como-ser-autentica-num-mundo-que-lucra-com-a-nossa-inseguranca/

Vivemos numa cultura que nos ensina cedo que nunca estamos prontas. A mulher é treinada a olhar-se ao espelho não para s...
10/10/2025

Vivemos numa cultura que nos ensina cedo que nunca estamos prontas. A mulher é treinada a olhar-se ao espelho não para se reconhecer, mas para se vigiar. Esta pedagogia da insuficiência não é acidental — é rentável. A indústria da moda, da cosmética, do fitness, até da espiritualidade de Instagram, cresce na medida em que nós diminuímos. A lógica é simples: mulheres inseguras consomem mais.

Enquanto isso, nalgum bar qualquer perto de si, um homem pífio ergue o copo de cerveja como se fosse o cálice sagrado do Olimpo e sente-se um autêntico semi-deus. Simone de Beauvoir não exagerou: “O machismo faz com que o mais medíocre dos homens se sinta um semi-deus diante de uma mulher.” Se tem uma opinião, já é tese. Se tem um emprego, já é herói. Se é pai e muda uma fralda, ui, já tem poderes sobrenaturais.

Mas ora aqui está a ironia cruel: enquanto sentimo-nos sempre a menos, eles sentem-se sempre a mais. O velho contraste, tão bem explanado pela psicanálise, sobre “eles sobram, nós faltamos”. É o que alguns estudos de psicologia social chamam de “overconfidence effect” — a tendência masculina de superestimar as próprias capacidades, mesmo sem lastro de competência. Enquanto isso, nós tropeçamos na chamada síndrome da impostora: mulheres brilhantes, hiperqualif**adas, que questionam a toda a hora se merecem sentar-se à mesa, como se o convite tivesse sido um erro administrativo.

E se este vazio que atravessa tanta gente não for um problema individual, mas o sintoma de uma engrenagem maior?

Se o mundo nos quer inseguras e culpadas, a psicoterapia pode ser o lugar onde reaprendemos a ser sujeitos — não objectos. É onde desmontamos a herança cultural da culpa e reconstruímos uma narrativa própria. Trabalhar a auto-estima em psicoterapia não é vaidade: é resistência. Num mundo que lucra com a nossa baixa auto-imagem, aprender a gostar de si é quase um acto de sabotagem económica.

A psicoterapia ajuda-nos a reconhecer os padrões que internalizámos: a exigência desmedida, a auto-crítica corrosiva, a eterna sensação de insuficiência. Ajuda-nos a distinguir a voz própria das vozes impostas. É, em termos psicológicos, um processo de individuação; em termos políticos, um acto de desobediência civil. Porque uma mulher que sabe o seu valor é menos controlável, menos manipulável e menos consumidora compulsiva de “soluções mágicas”.

Nesta crónica que escrevi para a Revista LuxWoman mostro-lhe de que forma ser autêntica, neste mundo, é recusar a lógica de que estamos sempre em falta. É lembrar que somos abundância fecunda, transbordo, sobejo.

O mundo prefere homens pseudo-confiantes a mulheres autênticas porque aqueles mantêm as estruturas intactas, enquanto mulheres autênticas abalam os alicerces. E é por isso que cada passo em direcção ao amor-próprio é um passo mais do que assertivo. É insubmisso.

— A minha crónica deste mês – "Como ser autêntica num mundo que lucra com a nossa insegurança" – está publicada na edição de Outubro da , nas bancas.

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Quem a ensinou que precisava ser útil para ser amada? De onde veio essa ideia de que o descanso é algo a merecer, e não ...
03/10/2025

Quem a ensinou que precisava ser útil para ser amada? De onde veio essa ideia de que o descanso é algo a merecer, e não um direito humano, constitucional, fisiológico, básico, ao nível da água e do sono? Quem é você quando não está a cumprir uma função? O que sente quando diz “não posso” sem precisar justif**ar? Consegue parar sem sentir culpa?

E se o descanso não for apenas uma pausa entre obrigações, mas um manifesto silencioso? Um gesto político. Um ritual de cura. Uma declaração de independência emocional. Sim, descansar é subversivo. Porque num mundo que lucra com o nosso cansaço, parar é um acto de pura rebeldia. E sim, há culpa. Há desconforto.

E e se eu lhe dissesse que não tem de provar nada? Nem a sua competência, nem a sua força, nem a sua capacidade de aguentar tudo calada e com classe. A única coisa que precisa provar é aquele vinho tinto encorpado, boca redonda, aveludado e com final robusto da prateleira de baixo, uns stilettos que a façam sentir como se pisasse o mundo com o dobro da altura, e aquele vestido que grita “sou deliciosa”, mesmo que o mundo prefira que sejas “discreta”, aquele prazer esquecido.

Na psicoterapia, aprendemos a dar nomes ao que sentimos. A olhar de frente para o vazio que tentamos preencher com listas. A reconstruir o sentido do amor, do descanso, da auto-estima. Aprendemos que não temos de merecer o amor, apenas aceitá-lo. Que o valor não se conquista, reconhece-se. E que o descanso não se agenda no futuro – começa hoje. Vamos para descobrir o que existe para lá da nossa função. Quem somos nós quando ninguém está a aplaudir ou a reprovar. Quando não há metas. Quando não há luta. E sabe o que há?

Nesta crónica que escrevi para a Revista LuxWoman, no fundo, tratei de a relembrar do mais básico: não somos um projecto para ser optimizado. Somos um milagre para ser sentido. E às vezes, o primeiro passo para isso é simplesmente sentar, respirar fundo… Com um copo de vinho na mão. Uns sapatos ridiculamente bonitos nos pés. E a alma, finalmente, descalça.

Agora vá lá, e prove esse vinho. Porque sim, não precisamos provar nada. A não ser roupas, sapatos e vinhos. De preferência descalças, em casa, bustos ao léu, com rímel borrado e o coração em paz.

– A minha crónica para a de Setembro está disponível online aqui, na sua versão aberta e integral. 👉 https://www.luxwoman.pt/nao-precisamos-provar-nada-a-nao-ser-roupas-sapatos-e-vinhos/

Durante muito tempo – demasiado tempo – fomos treinadas para nos comportarmos como candidatas eternas a um cargo que já ...
12/09/2025

Durante muito tempo – demasiado tempo – fomos treinadas para nos comportarmos como candidatas eternas a um cargo que já ocupamos: o de seres humanas válidas.

É como se tivéssemos sido inscritas, sem consentimento nem briefing, numa espécie de reality show existencial em que o prémio final seria "o direito a existir sem culpa". Mas atenção: para isso, era preciso provar. Provar muito. Provar tudo. E não me refiro a provar uma tábua de fumados ou aquele tinto do Douro com notas de cacau e redenção. Não, falo de provar valor. Provar amor. Provar que somos suficientes, apesar de. Apesar das olheiras, das dúvidas, dos dias em que não conseguimos ser “mulher maravilha” nem sequer com wi-fi.

Apesar da culpa, do medo, da raiva engolida com sorriso de farmácia. Apesar da criança interior ainda a gritar baixinho: “Não tenho valor...”

E no meio de tanta exigência, esquecemo-nos de uma coisa simples: que o nosso valor não é uma meta – é uma verdade intrínseca.

Só que isso, claro, ninguém nos ensinou. Em vez disso, deram-nos listas. Infinitas listas. Para sermos dignas de descanso, de amor, de admiração, de afecto.

A vida que você quer precisa de um sistema nervoso que não esteja viciado em stress. Sim, isso mesmo. Porque enquanto o seu corpo acreditar que viver em alerta é a única forma de estar segura, vai sabotar tudo o que a aproxima da paz que deseja. Vai rejeitar o descanso com culpa, vai sentir desconforto no silêncio, vai desconfiar do amor que não dói, vai sabotar a leveza por não reconhecer segurança sem tensão. O seu corpo aprendeu que estar ansiosa é estar preparada, que controlar é proteger, que prever é sobreviver. Mas isso que em tempos a protegeu, agora prende-a.

Um sistema nervoso em modo de sobrevivência é óptimo a manter-nos vivas, mas péssimo a deixar-nos viver. Por isso, querida leitora, nesta "rentrée", antes de mudar hábitos, rotinas, relacionamentos ou objectivos, tem de ensinar ao seu corpo que estar em paz não é ser vulnerável.

Tem de fazer as pazes com o descanso, com o prazer sem castigo, com o silêncio que não precisa de ser preenchido com urgências.

Pois é, a rotina cobra, o corpo grita, mas ninguém ouve... Nesta crónica que escrevi para a Revista LuxWoman falo-lhe sobre o esgotamento feminino normalizado — e os sinais que insistimos em ignorar. E se a única medalha que recebemos for uma anemia?

O caminho que quer fazer exige um corpo que saiba estar presente. Porque não é possível criar uma vida livre com um corpo que ainda vive preso.

— A minha crónica deste mês – "Não precisamos provar nada – a não ser roupas, sapatos e vinhos" – está publicada na edição de Setembro da , nas bancas.

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Era uma vez… um beijo roubado. Um beijo que não foi pedido, nem sequer imaginado, mas que nos ensinaram a admirar. A sus...
29/08/2025

Era uma vez… um beijo roubado. Um beijo que não foi pedido, nem sequer imaginado, mas que nos ensinaram a admirar. A suspirar. A desejar. Foi assim, com este gesto camuflado de magia, que começou o encantamento mais tóxico da nossa infância — o feitiço que nos ensinou a confundir invasão com paixão.

Branca de Neve estava inconsciente quando foi beijada. Sim, dormia, vulnerável, e um homem estranho decidiu que o seu amor era suficiente para justif**ar atravessar-lhe os lábios. Chamaram-lhe príncipe. Chamaram-lhe herói. Nós chamámos-lhe “romântico”. Mas e se olhássemos outra vez, desta vez sem os óculos cor-de-rosa da infância? Talvez víssemos um invasor de corpos, um violador de limites, um homem que não ouviu um “sim” — e mesmo assim avançou. Aurora, a Bela Adormecida, nem sequer sabia que existia um príncipe. Ariel perdeu a voz para conquistar um homem que nunca a escutou. Bela apaixonou-se por alguém que a manteve em cativeiro. E Rapunzel só saiu da torre quando um homem decidiu que sabia o que era melhor para ela.

Todas estas estórias têm algo em comum: mulheres com limites violados e homens glorif**ados por isso. Porque o que nos foi contado, nos livros, nos desenhos animados, nas músicas e nos gestos à nossa volta, foi que um homem que te invade é um homem apaixonado. Que se ele te persegue, é porque te quer. Que se ele insiste quando tu dizes “não”, é porque o amor não desiste.

É aqui que as estórias encantadas deixam de ser inofensivas. Porque elas não nos ensinaram a amar — ensinaram-nos a suportar. A aguentar. A engolir o silêncio quando o corpo grita. A acreditar que um “não” é o início de um jogo e não o fim de uma escolha.

A psicologia confirma: fomos socializadas para ver sinais de alerta como provas de amor. A insistência como esforço. A possessividade como intensidade. O ciúme como zelo. O controlo como demonstração. E o desconforto? Como preço a pagar por uma história bonita.

Este romantismo da dor está a matar-nos — literal e simbolicamente. Está a ensinar às raparigas que o seu “não” vale menos que o desejo de um homem. Que um beijo sem permissão é uma bênção e não uma bandeira vermelha. Que o desconforto é sinal de intensidade, e não de alarme. Está a criar uma geração de mulheres que duvida do próprio instinto.

Reescrevamos o conto. Deixemos de romantizar o que nos rasga. E, sobretudo, deixemos de aceitar como amor aquilo que sempre foi, apenas e só, violação disfarçada.

– A minha crónica para a Revista LuxWoman de Agosto – "Estórias encantadas ou a romantização das barreiras violadas" – está disponível online aqui, na sua versão aberta e integral. 👉 https://www.luxwoman.pt/estorias-encantadas-ou-a-romantizacao-das-barreiras-violadas

11/08/2025

Era uma vez… um beijo roubado. Um beijo que não foi pedido, nem sequer imaginado, mas que nos ensinaram a admirar. A suspirar. A desejar. Foi assim, com este gesto camuflado de magia, que começou o encantamento mais tóxico da nossa infância — o feitiço que nos ensinou a confundir invasão com paixão.

Chamaram-lhe “amor à primeira vista”. Mas esqueceram-se de dizer que ela nem sequer tinha os olhos abertos. Senão vejamos. A Branca de Neve estava inconsciente quando foi beijada. Sim, dormia, vulnerável, e um homem estranho decidiu que o seu amor era suficiente para justif**ar atravessar-lhe os lábios. Chamaram-lhe príncipe.

Chamaram-lhe herói. Nós chamámos-lhe “romântico”. Mas e se olhássemos outra vez, desta vez sem os óculos cor-de-rosa da infância? Talvez víssemos um invasor de corpos, um violador de limites, um homem que não ouviu um “sim” — e mesmo assim avançou.

Mas não é apenas um beijo. É o primeiro de muitos pequenos atropelos que aprendemos a aceitar com um sorriso colado à vergonha. Porque, às vezes, os sinais de alerta não vêm com sirenes. Vêm disfarçados de adrenalina, de romance, de atenção. A intensidade de um olhar insistente, as mensagens constantes, o ciúme declarado como prova de interesse — tudo isso pode parecer emocionante para quem nunca aprendeu a identif**ar o que é invasão emocional. Confundimos obsessão com entrega. Chamamos "preocupação" ao controlo, e "zelo" à tentativa de nos moldar. E assim, as primeiras bandeiras vermelhas passam-nos à frente dos olhos pintadas de purpurina. O que parecem ser gestos de amor são, muitas vezes, ensaios de abuso. Pequenas infrações que testam os nossos limites para ver até onde se pode ir. E quando toleradas, elas não desaparecem — agravam-se. São mais do que violações. São presságios. Isto não é ficção — é condicionamento.

Este romantismo da dor está a matar-nos — literal e simbolicamente. Está a ensinar às mulheres a duvidar dos próprios instintos. A viver para agradar. A escolher a aprovação dos outros em vez da sua própria integridade.

Chegou o tempo de rasgar os contos de fadas. De reescrever a narrativa. De ensinar às meninas que o amor não entra sem ser convidado. Que a paixão não justif**a o desrespeito. Que quem ama pergunta. Espera. Aceita o “não” com a mesma ternura com que deseja o “sim”. E é tempo também de falar com os rapazes. De os educar a ver consentimento como beleza, e não como obstáculo. A entender que “insistir” não é romântico — é violento. Que não há romantismo na transgressão de fronteiras. Há ego. Há ignorância. Há machismo estrutural.

Diziam-nos que era amor. Mas era só um beijo roubado, uma voz calada, um limite atravessado. As princesas estavam adormecidas — e nós também. O conto é velho, mas a ferida ainda sangra. Aliás, jorra incessante. Basta de dormir sob feitiços que só funcionam contra nós.

— A minha crónica deste mês – "Estórias encantadas ou a romantização das barreiras violadas" – está publicada na edição de Agosto da Revista LuxWoman , já nas bancas.

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Num mundo em que o algoritmo sabe mais de nós do que o nosso terapeuta, manter-se lúcida é quase um acto subversivo. Esp...
30/07/2025

Num mundo em que o algoritmo sabe mais de nós do que o nosso terapeuta, manter-se lúcida é quase um acto subversivo. Especialmente se você for mulher. E mais ainda se você ousar dizer “não” – essa pequena grande palavra que desencadeia tsunamis emocionais em certos e frágeis egos masculinos de vidro.

Quantas mulheres você conhece que vivem com medo? Que olham por cima do ombro? Que mudam o trajecto, ao andar (inseguras) no meio da rua? Que já ouviram ameaças ditas com voz baixa e um sorriso cínico? Que têm medo de terminar um relacionamento não porque amam, mas porque sabem que o preço do fim pode ser a própria vida?

Estamos num tempo em que o feminicídio tornou-se numa rotina de noticiário. E o mais assustador: banalizou-se. E o problema não é uma sensação vaga. É real, é quantificável, e tem nome: violência doméstica.

A liberdade feminina ainda custa vidas. E depois vem o insulto final: chamam-nos loucas. Loucas? Louco é o mundo que aplaude homens que não sabem lidar com um não. Louco é confundir posse com amor, controlo com cuidado, obsessão com paixão.

Como manter, então, a sanidade num mundo insalubre? Onde se compra equilíbrio emocional com entrega no próprio dia?

Nos afectos reais. Nos laços que não se quebram à primeira contrariedade. Nos abraços que não julgam. Nos olhos que verdadeiramente nos vêm. Nos ouvidos que nos escutam.

O amor, minhas senhoras, é o nosso colete à prova de loucura. O amor é o nosso salva-vidas psíquico. Amor no plural: amor divino, amor romântico, amor de amigas, amor de mãe, amor protector, amor de ventre, amor que acolhe, que escuta, que segura.

Essa é a verdadeira ostentação de que o mundo precisa: afecto em tempos de indiferença. Presença em tempos de performance. Ternura em tempos de trogloditas. Gentileza num mundo cheio de javardos.

Neste mundo doido, a sanidade mental passou a ser o novo “black” básico: vai bem com tudo, combina com qualquer ocasião e salva vidas. Isso, sim, é ostentação que se preze.

– A minha crónica para a Revista LuxWoman de Julho – "Luxo, hoje, é ostentar saúde mental" – encontra-se disponível online aqui, na sua versão aberta e integral. 👉 https://www.luxwoman.pt/luxo-hoje-e-ostentar-saude-mental

Num mundo em que o algoritmo sabe mais de nós do que o nosso terapeuta, manter-se lúcida é quase um acto subversivo. Esp...
17/07/2025

Num mundo em que o algoritmo sabe mais de nós do que o nosso terapeuta, manter-se lúcida é quase um acto subversivo. Especialmente se você for mulher. E mais ainda se você ousar dizer “não” – essa pequena grande palavra que desencadeia tsunamis emocionais em certos e frágeis egos masculinos de vidro.

Quantas mulheres você conhece que vivem com medo? Que olham por cima do ombro? Que mudam o trajecto, ao andar (inseguras) no meio da rua? Que já ouviram ameaças ditas com voz baixa e um sorriso cínico? Que têm medo de terminar um relacionamento não porque amam, mas porque sabem que o preço do fim pode ser a própria vida?

Estamos num tempo em que o feminicídio tornou-se numa rotina de noticiário. E o mais assustador: banalizou-se. E o problema não é uma sensação vaga. É real, é quantificável, e tem nome: violência doméstica.

A liberdade feminina ainda custa vidas. E depois vem o insulto final: chamam-nos loucas. Loucas? Louco é o mundo que aplaude homens que não sabem lidar com um não. Louco é confundir posse com amor, controlo com cuidado, obsessão com paixão.

Como manter, então, a sanidade num mundo insalubre? Onde se compra equilíbrio emocional com entrega no próprio dia?

Nos afectos reais. Nos laços que não se quebram à primeira contrariedade. Nos abraços que não julgam. Nos olhos que verdadeiramente nos vêm. Nos ouvidos que nos escutam.

O amor, minhas senhoras, é o nosso colete à prova de loucura. O amor é o nosso salva-vidas psíquico. Amor no plural: amor divino, amor romântico, amor de amigas, amor de mãe, amor protector, amor de ventre, amor que acolhe, que escuta, que segura.

Essa é a verdadeira ostentação de que o mundo precisa: afecto em tempos de indiferença. Presença em tempos de performance. Ternura em tempos de trogloditas. Gentileza num mundo cheio de javardos.

Neste mundo doido, a sanidade mental passou a ser o novo “black” básico: vai bem com tudo, combina com qualquer ocasião e salva vidas. Isso, sim, é ostentação que se preze.

— A minha crónica deste mês – "Luxo, hoje, é ostentar saúde mental" – está publicada na edição de Julho da Revista LuxWoman.

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