14/11/2025
Quem lhe disse que precisava de autorização? Quem foi a primeira pessoa a convencê-la de que, para ser quem é, tinha de pedir licença?
A verdade é esta: crescemos treinadas para servir abnegadamente. Não é exagero, é programação de fábrica. Aprendemos que o amor se mede pela renúncia. E internalizámos tão bem a lição que passámos a viver como candidatas permanentes a aprovação — como se houvesse um balcão imaginário onde se emitem licenças de viver. Licença para descansar. Licença para dizer "não". Licença para brilhar sem culpa. Licença para respirar. Só que esse balcão, claro, está sempre fechado.
No outro dia, depois do jantar, levantei-me da mesa já cansada. O meu corpo gritava para desabar no sofá, estender as pernas, deixar a digestão, a natureza e o silêncio fazerem o seu trabalho. Mas o que é que fiz? Fui direita à cozinha, comecei a arrumar pratos, a limpar bancadas, como se a ordem das coisas fosse mais urgente do que a minha própria ordem interna. Não havia ninguém a mandar-me fazê-lo. Era eu, voluntária e cúmplice, a repetir um automatismo aprendido: primeiro os outros, as coisas e depois — talvez, quem sabe — depois eu... No fundo, estava à espera de uma autorização fantasma. E a pergunta ecoou: de quem estou eu à espera para simplesmente — qual Padeira de Aljubarrota —arremessar o meu corpo, pá-para-toda-a-obra, ao sofá?
E não é só comigo, ou não é só na cozinha. É no trabalho, quando aceita infindas tarefas que não lhe cabem só para não parecer “difícil”. É no corpo, quando come o que sobrou em vez daquilo que realmente desejava. É no comboio, quando se encolhe no assento para não ocupar demasiado espaço. A vida inteira está cheia destes pequenos gestos de auto-anulação, tão normalizados que já nem reparamos.
Só que viver à espera de autorização tem um preço devastador. Rouba-lhe a vida.
E o corpo sabe disso melhor do que a cabeça: enquanto espera pela aprovação alheia, o corpo fecha-se, o maxilar trava, a respiração encurta. É a fisiologia da submissão. Mas quando ousa autorizar-se a agir, mesmo que em pequenos gestos, o corpo floresce: os ombros soltam-se, a respiração desce até ao fundo, e a pele parece ganhar mais luz.
Ninguém lhe vai dar autorização para viver em pleno. A assinatura que falta é a sua — e talvez a terapia seja a caneta.
— A minha crónica deste mês – "De quem está à espera para se autorizar a viver o que é seu?" – está publicada na edição de Novembro da Revista LuxWoman, nas bancas.
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