30/10/2025
Desisti. Aliás, não preciso — sinto-me bem!
Será que descuidamos o cuidado de nós próprios? Quantas vezes deixamos de investir no nosso bem-estar, convencidos de que não precisamos, de que não merecemos, de que outras coisas se devem sobrepor ou de que já estamos suficientemente bem — afinal, comparados com os outros, até parecemos estar melhor.
Para algumas pessoas, contudo, perder o seu estado de dor emocional ou estado depressivo pode, paradoxalmente, significar perder a ligação a todo, ou a parte, do seu passado. É como se essa tristeza as mantivesse ancoradas ao presente — ainda que esse presente lhes pese.
— “Estou aqui porque me pediram, porque me disseram que devia vir; eu, sinceramente, não preciso disto para nada.”
Alguns afastam-se. Outros permanecem — porventura, aqueles que podem e querem reconhecer a necessidade de transformação.
Não será preciso deixar cair os frutos maduros e as folhas velhas para que possam nascer folhas novas, para que a primavera encontre espaço para despontar? Caso contrário, continuamos presos ao sabotador interno, ao gigante egoísta — o mesmo de sempre.
Recordamos a história de Oscar Wilde, O Gigante Egoísta. Conta-se que, um dia, um gigante regressou ao seu jardim e encontrou-o cheio de crianças a brincar. Riam, corriam, enchiam o espaço de alegria e de vida. Mas o gigante, fechado no seu orgulho e na sua solidão, expulsou-as e ergueu um muro à volta do jardim. Quis o jardim apenas para si.
Desde então, chegou o inverno — e nunca mais partiu. As flores murcharam, os pássaros silenciaram-se e o sol deixou de entrar. O jardim congelou, tal como o coração do gigante.
Até que, um dia, as crianças voltaram. Encontraram uma pequena brecha no muro e conseguiram passar. Com elas, entrou a luz, a primavera: as árvores voltaram a florir, o vento cantou e o jardim renasceu.
Porém, num recanto do jardim, o inverno ainda resistia. Ali, uma pequena criança chorava baixinho — tentava alcançar os ramos de uma árvore gelada, mas não conseguia.
— “Anda, sobe, meu pequeno!” — murmurou a árvore, inclinando-se o mais que podia para o ajudar. Porém, o menino era demasiado pequeno e os seus braços frágeis. Ao contemplar aquela cena, o coração do gigante enterneceu-se. Uma onda de ternura e arrependimento atravessou-o. — “Que cego tenho sido!” — disse consigo mesmo. “Agora entendo porque a Primavera se afastou do meu jardim.”
Com cuidado, aproximou-se da criança, ergueu-a nos braços e colocou-a sobre a árvore.
Nesse instante, a neve começou a derreter, as flores abriram-se, e os pássaros regressaram com o seu canto. Então, o gigante sorriu e murmurou baixinho: — “Vou derrubar este muro. A partir de hoje, o meu jardim será sempre o lugar onde as crianças possam brincar.”
Mais tarde, essa mesma criança reapareceu. Sorriu-lhe e disse: — “Hoje virás comigo para o meu jardim.” E o gigante partiu em paz. O jardim, enfim, floresceu para sempre.
Esta história terá algum espelho em nós? Tal como o gigante, também podemos erguer muros à volta do que é mais sensível em nós, convencidos de que assim nos protegemos — e, sem perceber, condenamo-nos ao nosso próprio inverno.
Mas há quem escolha permanecer no caminho de transformação, quem confie, com amor e ternura, na importância de deixar cair flores e folhas para que, um dia, a primavera volte a florescer dentro de si.
Porque é certo que aquele jardim — como tantos corações humanos — permaneceu num inverno eterno até ao dia em que o murro deu lugar ao cuidado, ao amor, à ternura. E foi nesse passo pequeno, simples e decisivo, que a primavera nasceu de novo.
Dr. Paulo Nuno Pereira
Dr. Bernardo Corrêa D'Almeida