30/10/2025
GATOS….
Eles atravessam a casa como quem abre portas invisíveis…
Gatos são a pausa do mundo: respiram por nós quando esquecemos, recolhem as farpas do dia nos coxins macios e, em silêncio, costuram a alma de volta ao lugar.
Os pretos carregam a noite inteira na pelagem, não para assustar, mas para lembrar que a sombra é ventre de luz.
Os brancos são neve que não derrete: repousam e o ar f**a mais limpo.
Os rajados trazem mapas antigos; cada listra é estrada para o aconchego.
Os cinzas são manhã nublada que promete sol; os dourados acendem o outono dentro da sala.
Os siameses têm olhos de vela: iluminam sem dizer palavra.
Os frajolas vestem terno para uma cerimônia diária, a de estar presente.
As tricolores, guardiãs de fortuna pequena e verdadeira: o riso, o afeto, a casa aquecida.
E há ainda os azuis que não são azuis, mas parecem céu quando deitam no nosso peito.
Quando ronronam, o chão aprende outro compasso. É oração que não precisa de altar. O corpo inteiro vira mantra: inspira, expira, cicatriza.
Um gato encosta e o coração desapressa; a mente, que tanto grita, aceita sentar-se ao lado e ouvir. Eles sabem onde dói e deitam ali.
Sabem quando a lágrima quer cair e piscam devagar, como quem autoriza a maré.
Há quem os chame de mistério. Talvez sejam ponte. Entre o que vemos e o que sustenta. Entre o que falta e o que sempre esteve.
Eles percebem o ponto exato da luz no chão, a fresta por onde passa o milagre simples do vento.
Mostram que amor é ofício miúdo: um olhar que aquieta, uma presença encostada, um silêncio sem cobrança.
Se um gato escolhe você, aceite o chamado.
Aprenda com ele a caber nos instantes, a ocupar o próprio corpo, a não pedir ao dia mais do que ele pode dar.
Agradeça as patinhas que caminham por dentro do seu cansaço, a língua áspera que ajeita fios invisíveis, o sono que costura o mundo.
E, quando ele fechar os olhos sobre a sua mão, saiba: nesse gesto mora uma promessa antiga, a de que ainda é possível morar em paz.