14/03/2024
Tudo serve para estar triste. Uma perda. Um pensamento, mais ou menos fugaz. A forma como nos comparamos com os outros e nos sentimos a perder. Uma desilusão. Um olhar cheio de espinhos. Algum medo aborrecido. Um comentário parvo que nos feriu ferozmente, mesmo que seja de raspão. A memória do que nunca se viveu. Pensamentos de má reputação. Uma derrota. A preguiça que não prescreve. Um segredo. A intimidade, quando se casa com a estranheza. E tantas, mas tantas, coisas mais, que tudo serve para estar triste.
É fácil estar triste quando somos tão inacreditavelmente sensíveis. Tão intuitivos. E tão inteligentes. É fácil que, por pequenina que ela seja, alguma coisa nos toque e nos remexa. E que isso nos turve, por momentos. E nos magoe.
A capacidade para estar triste não nos empurra para a depressão. Capacidade para estar triste é sensibilidade. A depressão, uma solidão atrás da outra. Quando descobrimos que tudo o que serve para estar triste serve, também, para nos lembrar que são essas coisas que nos recordam que não temos quem olhe por nós. Quem nos conheça por dentro. E nos acolha. Como hóspedes, que seja. E nos faça sentir, mesmo que seja de passagem, brevemente entendidos. Fugazmente acompanhados. Mas, por tristes que estejamos, levemente aconchegados.
Há uma espécie de depressão sem depressão em todos nós. Feita destas pequenas coisas com que somos capazes de estar tristes que nos avivam as nossas solidõezinhas. Que não nos derrubam. Mas que nos tornam conformados. E adequados. E nos vão moldando, como rebeldes submissos, numa espécie de vai-se andando. Não nos afundamos da dor. Mas transportamos connosco uma moinha que nos desaponta do entusiasmo. Nos desencontra do rir. E nos torna, aos bocadinhos, menos bonitos. E mais sombrios. Que se faz de tudo o que serve para estar triste e que, por algum motivo, guardamos para nós. E que nos faz alimentar o equívoco de insistir em supor que aquilo que serve para estar triste serve, também, para estar sozinho. Ao mesmo tempo.
