
27/08/2025
Num mundo onde a linguagem importa e a desinformação aumenta, o cuidado com os conceitos é, cada vez mais, relevante e necessário.
O gatekeeping parental refere-se a padrões de controlo sobre a relação do outro cuidador com a criança. Pode surgir de desconfiança, de dor relacional, de medo, mas nem sempre implica uma intenção de sabotagem.
E, mais importante: nem sempre é disfuncional. Em contextos de violência, negligência ou ausência signif**ativa, o gatekeeping pode ser uma resposta de proteção. Um gesto de controlo pode refletir tanto preocupação legítima como ressentimento não elaborado. O que importa é o contexto, a intencionalidade e a evolução da relação entre os cuidadores e com a criança.
A expressão “alienação parental” tem sido usada, muitas vezes, de forma desarticulada e/ou ideológica, bastando o relato de conflito, resistência ou recusa para concluir uma “manipulação perversa”. A verdade é mais complexa.
Apesar da sua popularização nos vários setores com relevância social, este conceito não tem validação científ**a robusta, e levanta sérios riscos quando usado para silenciar queixas legítimas ou desresponsabilizar comportamentos abusivos. A sua aplicação tem, por vezes, levado à inversão da custódia, afastando a criança da figura protetora com base em pressupostos frágeis, o que pode constituir uma forma institucional de violência secundária.
Na prática, o uso acrítico da ideia de “alienação parental” pode agravar o sofrimento da criança, fragilizar o vínculo com quem a protege e obscurecer dinâmicas abusivas reais.
Assim, perante situações de conflitualidade ou alegações de alienação, a escuta clínica exige contexto, cuidado e suspensão do julgamento.
Por fim, falar de gatekeeping é também uma oportunidade de reparação vincular. Quando abordado com abertura, pode tornar-se um ponto de entrada terapêutico para refletir sobre feridas relacionais, medos, lealdades e fronteiras. E, quando apropriado, transformar controlo em cooperação, desde que haja segurança, escuta e disponibilidade para essa eventual reconstrução simbólica.