Miguel Oliveira - Psicologia Clínica

Miguel Oliveira - Psicologia Clínica Psicólogo membro efetivo da OPP Céd. Nº 24344

Num mundo onde a linguagem importa e a desinformação aumenta, o cuidado com os conceitos é, cada vez mais, relevante e n...
27/08/2025

Num mundo onde a linguagem importa e a desinformação aumenta, o cuidado com os conceitos é, cada vez mais, relevante e necessário.

O gatekeeping parental refere-se a padrões de controlo sobre a relação do outro cuidador com a criança. Pode surgir de desconfiança, de dor relacional, de medo, mas nem sempre implica uma intenção de sabotagem.

E, mais importante: nem sempre é disfuncional. Em contextos de violência, negligência ou ausência signif**ativa, o gatekeeping pode ser uma resposta de proteção. Um gesto de controlo pode refletir tanto preocupação legítima como ressentimento não elaborado. O que importa é o contexto, a intencionalidade e a evolução da relação entre os cuidadores e com a criança.

A expressão “alienação parental” tem sido usada, muitas vezes, de forma desarticulada e/ou ideológica, bastando o relato de conflito, resistência ou recusa para concluir uma “manipulação perversa”. A verdade é mais complexa.

Apesar da sua popularização nos vários setores com relevância social, este conceito não tem validação científ**a robusta, e levanta sérios riscos quando usado para silenciar queixas legítimas ou desresponsabilizar comportamentos abusivos. A sua aplicação tem, por vezes, levado à inversão da custódia, afastando a criança da figura protetora com base em pressupostos frágeis, o que pode constituir uma forma institucional de violência secundária.

Na prática, o uso acrítico da ideia de “alienação parental” pode agravar o sofrimento da criança, fragilizar o vínculo com quem a protege e obscurecer dinâmicas abusivas reais.

Assim, perante situações de conflitualidade ou alegações de alienação, a escuta clínica exige contexto, cuidado e suspensão do julgamento.

Por fim, falar de gatekeeping é também uma oportunidade de reparação vincular. Quando abordado com abertura, pode tornar-se um ponto de entrada terapêutico para refletir sobre feridas relacionais, medos, lealdades e fronteiras. E, quando apropriado, transformar controlo em cooperação, desde que haja segurança, escuta e disponibilidade para essa eventual reconstrução simbólica.

O divórcio não é apenas a rutura de um contrato entre dois adultos; é também a reconfiguração de um mundo interno que se...
26/08/2025

O divórcio não é apenas a rutura de um contrato entre dois adultos; é também a reconfiguração de um mundo interno que se organiza em torno do vínculo, da ausência e do desejo.

Cada idade vive a separação de modo singular, de acordo com o estádio do desenvolvimento e com as marcas inconscientes já inscritas na história individual.

Nos bebés, a instabilidade repercute-se na segurança da vinculação, podendo interferir no modo como se sente protegido.

Nas crianças pequenas, ainda mergulhadas no pensamento mágico, o divórcio é vivido como confusão e abandono - daí as fantasias de reconciliação e a culpa egocêntrica que tantas vezes carregam.

Na idade escolar, quando o pensamento se torna mais lógico, surge a consciência dolorosa da perda, acompanhada de revolta e sintomas psicossomáticos: o corpo fala aquilo que as palavras ainda não alcançam.

Na pré-adolescência e adolescência, o divórcio confronta com sentimentos de impotência, vergonha e raiva que podem, no seu conjunto, fragilizar a construção identitária e a confiança nos vínculos. Aqui, podem emergir comportamentos de risco, depressão ou isolamento, como formas de lidar com a fratura no mundo interno.

Já nos jovens adultos, que se pensariam mais resilientes, a ferida reaparece sob a forma de dificuldades nas relações amorosas, fragilidade socioeconómica e até uma parentif**ação tardia (quando uma criança ou jovem assume papéis, responsabilidades ou funções emocionais que deveriam ser dos pais), onde os papéis se parecem inverter.

O que atravessa todas as idades é a marca psíquica da perda, mas também a possibilidade de reconstrução, daí que implique uma grande ambivalência.

O divórcio pode deixar cicatrizes, sim, mas pode igualmente abrir espaço para novas narrativas de amor, onde a dor se transforma em potência e onde a vulnerabilidade encontra acolhimento.

O divórcio, sobretudo quando litigioso, não é apenas a rutura de um casal. Para a criança, é vivido como uma transformaç...
26/08/2025

O divórcio, sobretudo quando litigioso, não é apenas a rutura de um casal.

Para a criança, é vivido como uma transformação radical do seu mundo interno e externo.

Aquilo que antes parecia estável, a casa, a rotina, os gestos de afeto partilhados, passa a estar marcado por tensão, incerteza e ausência.

A criança não tem ferramentas para compreender todos os motivos da separação, mas capta, de forma muito sensível, o clima emocional. Ouve as discussões, percebe os silêncios carregados, sente o olhar zangado ou a distância afetiva. Muitas vezes, acredita até que tem alguma culpa naquilo que está a acontecer.

O impacto não é apenas imediato.

A experiência pode deixar marcas duradouras na forma como a criança aprende a confiar, a sentir-se segura e a relacionar-se.

Há quem desenvolva sintomas de ansiedade, tristeza persistente, medo da perda, dificuldades de concentração, ou até comportamentos de oposição.

Outras crianças guardam tudo em silêncio, vivendo a dor de forma escondida, o que pode gerar sentimentos de culpa, vergonha ou retraimento.

Na escola, o sofrimento emocional tende a refletir-se em menor motivação, dificuldade em manter o foco, quebra no rendimento.

Nos relacionamentos, pode surgir a sensação de estar dividida entre os pais, de não pertencer inteiramente a nenhum lado, ou de ser forçada a escolher, o que aprofunda ainda mais a ferida emocional.

Mas apesar da dor, é possível reconstruir.

Se os pais conseguirem separar o conflito conjugal da função parental, a criança pode reencontrar segurança.

Duas casas podem ser também dois espaços de amor, se houver respeito e cuidado.

O essencial é preservar o vínculo, mostrar-lhe, com gestos e palavras, que continua a ser amada, que não precisa de escolher lados e que a sua vida pode, pouco a pouco, voltar a ser um lugar de confiança e esperança, mesmo em duas casas.

De que se trata quando falamos de interações positivas entre pais e filhos? Como se mantém a vinculação e de que modo se...
25/08/2025

De que se trata quando falamos de interações positivas entre pais e filhos?
Como se mantém a vinculação e de que modo se constrói uma postura educativa benéf**a, tranquila e ajustada ao longo do tempo?

As interações parentais positivas são muito mais do que momentos agradáveis, representam um conjunto de comportamentos que, de forma consistente, sustentam o desenvolvimento emocional, cognitivo e social da criança.

Quando os pais expressam carinho, proximidade e valorização, a criança sente-se aceite, segura e digna de amor, o que contribui para uma autoestima mais sólida e para relações de confiança que se prolongam no tempo.

Do mesmo modo, a sensibilidade dos pais em reconhecer os sinais dos filhos e responder de forma ajustada fortalece a confiança de que o adulto estará disponível para apoiar. Essa responsividade promove a regulação emocional, ajuda a lidar com frustrações e estabelece bases para uma vinculação segura.

Também o encorajamento e a estimulação assumem um papel essencial, quando os pais incentivam a exploração, apoiam a autonomia e valorizam o esforço, a criança desenvolve motivação, persistência e confiança nas suas próprias capacidades, aumentando a resiliência perante os desafios.

Ao mesmo tempo, o ensino, entendido como a partilha de conhecimento, a explicação e a orientação, oferece ferramentas cognitivas e linguísticas fundamentais, favorece o desenvolvimento intelectual e estimula a capacidade de resolver problemas e comunicar com eficácia.

No seu conjunto, estas interações não são apenas episódios isolados, mas práticas consistentes que se transformam em pilares do desenvolvimento saudável. Sustentam o crescimento emocional, alimentam a curiosidade, fortalecem a autonomia e despertam o desejo de aprender, ajudando a criança a construir, desde cedo, uma base segura para a vida.

No fundo, educar é mais do que orientar ou corrigir. É sustentar com presença, palavra e gesto simbólico a possibilidade de a criança se tornar quem é, em segurança e em liberdade.

A cena borderline revela-se frequentemente através da oscilação entre estados de excesso emocional e a experiência de um...
24/08/2025

A cena borderline revela-se frequentemente através da oscilação entre estados de excesso emocional e a experiência de um vazio interno crónico.

Estas manifestações não são superficiais, mas refletem um modo particular de organização psíquica, marcado por fragilidades precoces na constituição do Eu.

O excesso traduz-se em descargas afetivas intensas, explosões de raiva, ou impulsos de natureza autodestrutiva.

A emoção emerge de forma abrupta, sem capacidade de ser simbolizada (dar um sentido), como se se tivesse de a viver no corpo para não a perder de vista.

Este transbordamento funciona, paradoxalmente, como uma tentativa de manter a coesão psíquica, garantindo a sensação de existir através da intensidade.

Na outra face, encontra-se o vazio.

Um vazio que não é apenas ausência de emoção, mas antes uma suspensão existencial, em que se experimenta a perda de sentido, de desejo e de identidade.

Este vazio atua como uma defesa contra a ameaça da fragmentação (um “eu às peças”), um mecanismo de proteção face a experiências afetivas precoces que não puderam ser integradas - são vidas acidentadas.

A alternância entre excesso e vazio revela a dificuldade em articular amor e frustração, presença e ausência, prazer e perda.

Quando estas experiências iniciais não são metabolizadas, f**a-se condenado a oscilar entre dois mundos igualmente dolorosos: a invasão de afetos que o desorganiza e o nada que o paralisa.

Assim, o excesso nem sempre é sinal de vitalidade autêntica, mas de desespero em não se desintegrar, e o vazio não é paz, mas a consequência de uma defesa extrema contra a dor intolerável.

Entre estes dois extremos, emerge o drama borderline: uma luta incessante por manter a continuidade do ser.

Trata-se de uma personalidade marcada por ansiedades profundas ligadas ao medo de traição, humilhação e perda do control...
23/08/2025

Trata-se de uma personalidade marcada por ansiedades profundas ligadas ao medo de traição, humilhação e perda do controlo.

Implica um viver em constante estado de vigilância, como se estivesse sempre cercado por ameaças invisíveis.

O “sentinela” interno mantém-se alerta, interpretando gestos neutros como desprezo ou ataques velados, e desta posição defensiva, nasce a presença de sentimentos e impulsos que não são reconhecidos em si mesmo de modo que a própria hostilidade é percebida como vinda de fora, transformando o mundo num lugar perigoso e ameaçador.

No plano relacional, pequenas divergências despertam suspeitas de conspiração, e o afeto manifesta-se de forma fria, crítica e melancólica, com tendência para desconfiar das intenções alheias, ampliando dificuldades sociais como se fossem provas de maldade ou traição.

Assim, não sofre apenas com a desconfiança dos outros, mas sobretudo com a ameaça da sua própria angústia, que transforma o mundo num espelho das suas sombras interiores.

O semi-círculo da saúde mental, proposto por Heinz Kohut, é uma metáfora que se opõe ao destino trágico do Édipo. Enquan...
23/08/2025

O semi-círculo da saúde mental, proposto por Heinz Kohut, é uma metáfora que se opõe ao destino trágico do Édipo.

Enquanto o Complexo de Édipo representa conflito, rivalidade e culpa, o semi-círculo simboliza empatia, cuidado e continuidade.

A imagem vem de Odisseu, que, ao simular loucura, traçava linhas com um arado até que o seu filho Telêmaco foi colocado diante da lâmina. Em vez de seguir em frente, Odisseu desviou o arado, traçando um semi-círculo e poupando a vida do filho.

Este gesto, simples e humano, é, para Kohut, a verdadeira metáfora da saúde mental: a capacidade de proteger, conter e sustentar o self em desenvolvimento.

A saúde psíquica não depende apenas de como lidamos com conflitos, mas da qualidade da empatia e da continuidade das relações que nos constituem. O self cresce quando encontra espelho, ressonância e cuidado; enfraquece quando se vê isolado, envergonhado ou fragmentado.

O semi-círculo é, assim, mais do que uma figura, ele representa a possibilidade de desviar a marcha cega do destino ou da lei para criar espaço de acolhimento. Traduz-se no olhar empático que oferece ao outro um lugar onde o self pode reencontrar coesão. Na vida, inspira relações que, em vez de repetirem tragédias, criam continuidade, confiança e transformação.

Adotar o semi-círculo como símbolo é afirmar que o humano não se resume ao drama edipiano. É reconhecer que a verdadeira saúde mental nasce da empatia que curva, protege e sustenta o que em nós é mais vulnerável.

O semi-círculo é, então, o espaço de acolhimento e transição: aberto, imperfeito e humano. Um gesto de cuidado que protege o núcleo do self e cria lugar para o encontro e para o sonho.

Diretamente das stories para o feed!
31/05/2025

Diretamente das stories para o feed!

Um país inteiro mergulhado no escuro.Sem luz, sem rede, sem rumo.Uns descansaram, outros entraram em pânico.Uns acendera...
30/04/2025

Um país inteiro mergulhado no escuro.
Sem luz, sem rede, sem rumo.

Uns descansaram, outros entraram em pânico.
Uns acenderam velas, outros correram aos supermercados.

Mas no meio do silêncio elétrico, o que falhou mais do que tudo foi a ligação, aos outros e a nós mesmos.

Talvez este apagão não tenha sido só um episódio técnico. Talvez tenha sido também uma metáfora íntima: Quantas vezes nos apagamos por dentro sem que ninguém dê por isso?

E então, a pergunta que f**a:
Que normalidade é essa que desmorona com um simples corte de corrente, ou com uma perda, uma dor, um silêncio?

A pedido , diretamente das stories para o feed!  Importa sublinhar que esta reflexão não se dirige indiscriminadamente c...
11/04/2025

A pedido , diretamente das stories para o feed!

Importa sublinhar que esta reflexão não se dirige indiscriminadamente contra médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas ou doulas.

Pelo contrário, reconheço o esforço, a entrega e o compromisso ético de muitos profissionais que se dedicam genuinamente ao cuidado das mulheres e das famílias em momentos tão sensíveis como a gravidez e o parto.

A violência obstétrica, contudo, não se restringe a uma classe ou função — pode manifestar-se em diferentes gestos, discursos e omissões, atravessando todas as categorias profissionais envolvidas nos cuidados perinatais.

Falo, portanto, a partir do meu lugar enquanto psicólogo, com base na escuta clínica de inúmeras pessoas que sofreram marcas psíquicas profundas decorrentes de experiências de parto.

Esta reflexão não pretende generalizar nem demonizar, mas abrir espaço para pensarmos criticamente práticas que, ainda que bem-intencionadas, podem resultar em dor, silenciamento e trauma.

Se não conseguirmos reconhecer esta possibilidade, também não seremos capazes de transformar os contextos de cuidado em espaços verdadeiramente éticos e respeitadores da dignidade humana.

Endereço

Avenida Ressano Garcia, Nº4, R/C
São Sebastião
1070-237

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