Quando pensamos numa ida ao Psicólogo facilmente visualizamos a imagem de um doente mental que procura um daqueles seres que verbaliza “uhm uhm” e que têm como função tratar das pessoas que apresentam distúrbios mentais. Mas, será isto que acontece na realidade? Pois bem, esta não é a minha profissão, esta não é a minha forma de trabalhar e, acima de tudo, esta não é a minha vida.
Podia descrever-vos qual o papel da minha profissão tendo como base estudos, teorias delineadas há muitos anos, apresentar-vos nomes conhecidos e importantes e as suas contribuições para esta área do saber; mas não é isso que eu vou fazer. Vou aproveitar o momento para vos escrever sobre a minha forma de trabalhar ou, mais concretamente, sobre a minha forma de viver a profissão.
Os meus pacientes têm um fator comum: são seres humanos que procuram melhorar, crescer, aliviar a dor ou, simplesmente, ser compreendidos. Não são doentes mentais, não são “malucos”, não são seres incapazes de melhorar. São seres humanos com sentimentos, emoções, medos, dúvidas e dores na alma. Muitas vezes são portadores de dores infindáveis, de lágrimas contidas durante anos, de palavras nunca escutadas…
Enquanto profissional sou um ser que acolhe, que cuida, que mostra que todos podemos ter uma vida melhor, que acredita nas capacidades de todos aqueles que têm a coragem de procurar ajuda e de expor o seu íntimo. Falo-vos de coragem. Aquela força que nos leva a reconhecer que não estamos bem e que precisamos da ajuda de outra pessoa para restabelecermos o nosso interior. Mas, porque conjugo coragem com uma ida ao Psicólogo? Em termos sociais ainda existem muitos mitos e preconceitos associados a esta profissão. Pensa-se que só vai ao Psicólogo quem está “maluco” ou quem descompensou por completo. Errado! Se assim fosse eu afirmaria com toda a convicção de que todo o ser humano é “maluco” porque todos nós temos alguma coisa a melhorar. Partindo desta ideia, assumo que ser “maluco” é ser saudável ao ponto de ter a noção de que não estamos bem e que precisamos de ajuda. Uma ajuda baseada em teorias com peso, demonstradas durante séculos mas, acima de tudo, uma ajuda que é fruto da sensibilidade do profissional que nos acolhe e que nos faz ir ao encontro de nós mesmos.
Muitas vezes sou única na vida de muitas pessoas: a única que os ouve, a única com quem partilham as suas lágrimas, a única que dá colo, que compreende e, para além de tudo isto, a única que os respeita enquanto seres humanos com a capacidade de ser pessoa. Chegam até mim pessoas que “bateram no fundo do poço”, pessoas que ignoramos no nosso dia-a-dia porque achamos que não têm capacidades para subir a escada da vida que os levará de volta à estabilidade e ao encontro com elas mesmas. O meu papel não é dar-lhes a escada, mas sim desenvolver as suas ferramentas para que eles possam construir uma escada com degraus firmes e consistentes. Existem pacientes que colocam a sua vida nas minhas mãos. Para todos aqueles que consideram que esta profissão não tem significado, pergunto: Como é viver com a vida de 20, 40 ou 100 pessoas nas mãos? Como é ter a noção de que uma palavra dita no momento errado pode fazer a diferença entre a vida ou o suicídio? Como é ter a coragem de colocar o dedo na ferida de alguém e ao mesmo tempo dar-lhes as bases para que a possam sarar? Sim, ninguém disse que esta era uma profissão fácil… Estudámos anos e continuamos a estudar a vida toda. Aprendemos teorias e modelos que nos ajudam no exercício da nossa profissão. Lemos livros, procuramos artigos e sabedoria junto daqueles que têm mais anos de experiência. Mas será isto suficiente? Não. A nossa forma de trabalhar está diretamente relacionada com a nossa experiência de vida, com as nossas próprias lutas e com as caraterísticas que nos permitem fazer um trabalho de excelência.
Há que ser humilde, ter a consciência de que não sabemos tudo e que temos muito a aprender. Há que ser sensível e ter a capacidade de perceber nas entrelinhas. Muitas vezes fazemos o papel de pai, mãe, amigo, esposo… Somos nós que ouvimos aquilo que nunca foi dito, que confortamos através do olhar, que fazemos crescer mediante as palavras que utilizamos. Somos únicos. Tantas vezes somos aqueles seres que temos a coragem de entrar dentro de alguém e trazer ao de cima o melhor que essa pessoa tem para mostrar. Mas só somos únicos se tivermos princípios, valores, ideais, uma forma de estar humilde e disponibilidade para o outro.
Nenhuma consulta é uma perda de tempo, nenhum paciente é um ser inferior e nenhuma mensagem ou telefonema devolvidos são dinheiro “jogado ao ar” porque tudo isto faz parte de uma profissão de excelência. Não, não me estou a enaltecer. Considero que tenho uma profissão de excelência mas não acho que sou melhor do que ninguém. Sou apenas diferente. Diferente na minha forma de ser, diferente na minha forma de trabalhar mas, acima de tudo, diferente no respeito e consideração que tenho por todos aqueles que procuram a minha ajuda.
Sou um ser simples que tem orgulho em todos os meus pacientes, que vive as suas vitórias com a mesma alegria com que vivo as minhas conquistas. E isto não tem preço, não existe melhor sensação do que ver um paciente bem. Não há melhor recompensa do que ver alguém que se esforçou e que se tornou pessoa. E ser pessoa é algo tão simples e complexo ao mesmo tempo.
Ser pessoa é ser alguém que não se anula e que não se esconde por detrás de máscaras. É ser alguém que tem a coragem de mostrar o seu interior perante aqueles que a rodeiam. Alguém que assume os seus erros, alguém que tem consciência das suas capacidades, que pretende uma vida genuína e repleta de sentido.
Não sou o típico profissional bem vestido, de nariz empinado com a mania de que sabe tudo, nem aquela pessoa que vê e trata os seus pacientes com um distanciamento e uma frieza que lembra todos aqueles que os rodeiam. Sou completamente o oposto de tudo isto. Tenho orgulho em todos os meus pacientes, nas suas conquistas, nos frutos que os ensino a colher e, principalmente, tenho orgulho naquelas lágrimas de tantas pessoas em que eu consegui agarrar, transformando a dor em força, motivação e coragem para lutarem por uma vida melhor.
Não é fácil lidar com a dor do outro, não é fácil dar colo e acompanhar o crescimento de pessoas cuja história de vida é tão pesada que não permite ser explicada por palavras. Não é fácil ensinar um pai a perceber um filho. Mas é possível. É possível acreditar no ser humano e nas suas capacidades.
Não exijo muito desta vida, apenas o suficiente para viver de forma tranquila e em paz. Mas exijo algo a todos os meus pacientes: exijo que, em conjunto com a minha forma de estar na profissão, todos eles encontrem o seu caminho e vivam uma vida plena de sentido e significado.
Continuarei a ser única, sem nunca esquecer que cada paciente leva muito de mim e deixa muito dele próprio. Aprendo com cada um deles. Vivo as suas dores, agarro as suas lágrimas e vou à luta ao lado de cada um. Continuarei a viver a profissão como uma descoberta a cada dia que passa, tendo os meus valores e a minha forma de vida estranha mas autêntica. Continuarei a dizer que dentro do consultório a pessoa mais importante é o paciente e a afirmar que para julgar, criticar e apontar o dedo já nos chega o mundo lá fora. Continuarei a ser eu, um ser indescritível, indecifrável e muitas vezes inatingível.
Isto é ser Psicólogo, esta é a minha forma de vida, esta é a minha profissão. Uma profissão desvalorizada, muitas vezes mal-amada e quase sempre impercetível aos olhos de muitos que se dizem Psicólogos. Ser Psicólogo é ser humano e, acima de tudo, é ter a força de um furacão, a sensibilidade de uma pena, a leveza da brisa matinal e a coragem de um primeiro voo de uma pequena ave. Serei sempre um grão de areia do deserto, mas sei que para muitos sou o sol que lhes aquece o dia e que os ensina a beleza de uma planta a beber o orvalho matinal!