04/02/2025
O cancro não é uma batalha. Não é uma guerra que se vence com pensamentos positivos ou frases feitas. O cancro é uma interrupção abrupta. Chega sem pedir licença, rasga o quotidiano e obriga-nos a encarar o que sempre esteve lá, mas que fingimos não ver: a fragilidade da vida.
Ensina sem delicadeza. Ensina que o tempo nunca foi garantido, que o corpo nunca foi invencível, que o controlo sempre foi uma ilusão frágil. Traz dor — aquela que não cabe em palavras e que ninguém quer nomear. A dor de olhar para o espelho e não reconhecer o rosto refletido. A dor dos silêncios longos em consultórios demasiado iluminados. A dor de dizer “está tudo bem” quando, por dentro, tudo está a desmoronar.
Mas, paradoxalmente, é nessa fratura brutal que algo inesperado nasce. Não uma esperança frágil, mas um amor diferente. Um amor cru, que não se esconde atrás de gestos grandiosos. O amor que está na cadeira ao lado da cama, no café morno que alguém traz sem perguntar, na mensagem que chega num dia difícil. O amor que não tenta consertar, só permanece.
O cancro tem este poder estranho de revelar o que importa. Arranca o desnecessário, desfaz o superficial e, no espaço vazio que sobra, expõe o essencial: o agora. O agora onde um abraço vale mais do que qualquer plano para o futuro. Onde um sorriso cansado carrega mais força do que mil vitórias. Onde o simples acto de respirar é, por si só, um milagre.
Neste Dia Mundial do Cancro, não falamos de vitórias fáceis nem de finais felizes enfeitados. Falamos da vida real — crua, imperfeita, mas incrivelmente bela na sua honestidade. Porque, mesmo quando o corpo fraqueja, existe algo que o cancro nunca poderá tocar: a capacidade humana de amar, de sentir, de estar.
E, no fim, é isso que nos mantém vivos. Não o tempo que temos, mas o que fazemos com ele — mesmo, e talvez especialmente, quando ele é finito.
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