
23/09/2025
➡️Homens maus fazem o que os homens bons sonham
✔️Todos temos um lado sombrio
É natural pensarmos que há uma linha clara entre as “boas pessoas” e as “más pessoas”. No entanto, a experiência clínica e forense mostra que essa separação não é tão simples. Todos nós carregamos dentro de nós impulsos agressivos, hostis ou egoístas.
Este lado sombrio pode ter raízes biológicas — por exemplo, na forma como o nosso cérebro regula substâncias químicas ligadas à agressividade — e também sociais, relacionadas com a educação, as experiências traumáticas ou as pressões da vida em sociedade.
Na maioria das vezes, conseguimos controlar ou canalizar estes impulsos para formas construtivas: através do desporto, da arte, do humor, ou até em pequenas fantasias que nunca passam à ação. Mas em situações de crise, de ausência de regras, ou quando há falhas graves no desenvolvimento, esse lado pode manifestar-se de forma perigosa.
Simon resume esta ideia numa frase poderosa:
“Os homens maus fazem aquilo que os homens bons apenas sonham em fazer.”
(Simon, 2008, p. 3)
✔️Será que temos controlo sobre quem somos?
Uma das reflexões mais desconfortáveis de Simon é que não temos o controlo absoluto sobre a nossa vida.
Grande parte das nossas ações e escolhas é influenciada por forças inconscientes que não dominamos. Freud já tinha sublinhado este ponto: acreditamos ser racionais, mas, muitas vezes, estamos a seguir desejos e impulsos que mal reconhecemos.
Além disso, o contexto pode mudar tudo. Pessoas que parecem calmas e controladas podem, em situações de guerra, catástrofe ou multidões violentas, agir de forma brutal. Como se uma parte mais primitiva assumisse o comando.
E há ainda a dimensão biológica: vulnerabilidades genéticas, desequilíbrios químicos ou lesões cerebrais podem reduzir a nossa capacidade de autocontrolo.
Em suma, não escolhemos totalmente quem somos nem o que sentimos. Mas temos responsabilidade individual e societal sobre o que fazemos com isso.
✔️Se aceitarmos que todos temos dentro de nós luz e sombra, isso muda a forma como olhamos para várias dimensões da vida social.
1. O ser humano comum
Deixamos de idealizar que existem pessoas totalmente boas e outras totalmente más. Reconhecemos que qualquer um pode, em determinadas circunstâncias, ceder a impulsos destrutivos. Isto torna-nos mais humildes e também mais empáticos: em vez de projetarmos o “mal” apenas nos outros, olhamos para dentro e percebemos que partilhamos a mesma condição humana.
2. O ser humano violento ou “mau”
Quando alguém comete um crime violento, é fácil rotulá-lo de “monstro”. Mas essa explicação simples impede-nos de compreender as causas. Simon lembra que nem sempre se trata de uma doença mental diagnosticável — muitas pessoas que cometem atrocidades são avaliadas como “normais” pelos critérios clínicos.
No entanto, isso não significa que estejam bem. A violência é sempre um sinal de falha: uma falha de empatia, de autocontrolo ou de relação com os outros. Algo correu mal na forma como essa pessoa lida com os próprios impulsos e com a vida em sociedade. Algo correu mal no seu desenvolvimento enquanto ser humano e sobre o qual não tem controlo.
3. A doença mental e os tratamentos
Aqui está o ponto delicado: nem toda a violência é fruto de doença mental formalmente reconhecida, mas toda violência aponta para sofrimento, distorção ou desorganização na vida psíquica.
O tratamento psicológico e psiquiátrico, quando possível, ajuda justamente a dar nome a esses conflitos internos, a contê-los e a transformá-los. O objetivo não é eliminar o lado sombrio, mas integrá-lo de modo que não se traduza em destruição.
4. A justiça e as suas implicações
Se todos temos um lado sombrio, a justiça não pode limitar-se a punir. Ela deve também proteger a sociedade e, quando possível, oferecer caminhos de reabilitação. Mas há uma tensão inevitável: quando a sociedade decide se alguém é “louco” (e precisa de tratamento) ou “mau” (e precisa de punição).
O caso de Jeffrey Dahmer ilustra este dilema: alguns especialistas diziam que sofria de doença mental, outros que era plenamente responsável. O tribunal optou pela punição. A questão mostra como é difícil separar a “maldade” da “loucura”, e como a justiça navega entre compreender, proteger e castigar.
Em síntese
Aceitar que todos temos um lado sombrio não é um convite ao pessimismo, mas à responsabilidade. A violência, seja ela qual for, é sempre um sinal de que algo não está bem. O perigo maior não está em reconhecer esse lado, mas em negá-lo — porque o que é negado tende a emergir de forma descontrolada.
Se conseguirmos olhar para dentro com honestidade, podemos transformar os nossos impulsos mais sombrios em criatividade, empatia e crescimento, enquanto seres humanos e sociedade.
E talvez a lição mais importante seja esta: por trás de cada pessoa existe uma história. Respeitar essa história — mesmo quando não a compreendemos — é um passo essencial para construir uma sociedade menos violenta e mais humana.
Referência
Simon, R. I. (2008). Bad men do what good men dream: A forensic psychiatrist illuminates the darker side of human behavior (Rev. ed.). American Psychiatric Publishing.