25/03/2021
Doenças psiquiátricas no pós-parto
As doenças psiquiátricas do puerpério são a disforia pós-parto, depressão pós-parto, psicose pós-parto
O pós-parto, ou puerpério é uma fase muito exigente. Há mudanças em simultâneo e a vários níveis – biológico, psicológico, social – que deixam a mulher altamente vulnerável ao agravamento ou início de patologia psiquiátrica:
Às alterações hormonais, somam-se mudanças psicológicas e sociais associadas à transição para a maternidade;
Há necessidade de reorganização social e adaptação a um novo papel;
A mulher tem um súbito aumento de responsabilidade por se tornar referência de uma pessoa indefesa, sofre privação de sono e isolamento social;
É preciso reestruturar da sexualidade, a imagem corporal e a identidade feminina.
Quais são as doenças psiquiátricas do pós-parto?
A disforia pós-parto, a depressão pós-parto e a psicose pós-parto têm sido classicamente relacionadas com o puerpério.
Além destas, várias perturbações de ansiedade também estão associadas a este período.
O que é a disforia pós-parto
A disforia pós-parto, também conhecida como baby blues, é considerada a forma mais ligeira dos quadros psiquiátricos do puerpério e pode ser identificada em 50%-85% das mulheres.
Sintomas
Os sintomas de disforia pós-parto geralmente têm início nos primeiros dias após o parto, atingem um pico no 4º ou 5º dia e desaparecem de forma espontânea no máximo em 2 semanas.
Estes sintomas incluem choro fácil, labilidade afetiva, irritabilidade e comportamento hostil para com familiares e outros acompanhantes.
Algumas mulheres podem apresentar sentimentos de estranheza e despersonalização e outras podem apresentar euforia.
Tratamento
As mães com baby blues não necessitam de tratamento com medicamentos.
A abordagem é feita no sentido de manter suporte emocional adequado, compreensão e auxílio nos cuidados com o lactente.
Se os sintomas persistirem mais que 2 semanas, então a mulher deve ser avaliada porque poderá tratar-se de uma depressão pós-parto.
O que é a depressão pós-parto
A depressão pós-parto corresponde a qualquer episódio depressivo que ocorra nos meses que se seguem ao nascimento do bebé, geralmente entre 2 semanas até 3 meses após o parto.
A prevalência de depressão pós-parto varia entre 10%-20% e é afetada por:
Fatores culturais;
Período em que ocorre a doença;
Instrumentos utilizados para o diagnóstico.
Sintomas
Os sintomas de depressão pós-parto podem incluir tristeza, perda de prazer e interesse nas atividades, alteração de peso e/ou apetite, alteração do sono, agitação ou lentificação psicomotora, sensação de fadiga, sentimento de inutilidade ou culpa, dificuldade de concentração ou de toma de decisões e até pensamentos de morte ou mesmo suicídio.
No quadro clínico da depressão nesta época da vida são observadas algumas peculiaridades:
Alta probabilidade de comorbidade com sintomas ansiosos e obsessivo-compulsivos;
Menor incidência de suicídio;
Resposta terapêutica mais demorada, muitas vezes necessitando de mais do que um medicamento.
Tratamento
A terapêutica farmacológica é o tratamento de primeira linha na depressão pós-parto. Existem alguns antidepressivos que são considerados compatíveis com a manutenção do aleitamento materno. Por este motivo, é fundamental que a mulher não deixe de procurar ajuda psiquiátrica por receio de ter que suspender a amamentação.
A psicoterapia também está indicada.
Fatores de riscos para a depressão pós-parto
Os principais fatores de risco associados à depressão pós-parto são:
História pessoal de depressão;
Episódio depressivo ou de ansiedade durante a gravidez;
Eventos de vida negativos na gravidez ou no puerpério;
Suporte social ou financeiro deficitário;
Relação de casal conflituosa.
Outros fatores de risco são história familiar de doença psiquiátrica, episódio de baby blues, determinadas características de personalidade e baixa auto-estima.
Estão associadas à depressão pós-parto complicações obstétricas, parto prematuro, fatores culturais, história de relação conflituosa com a mãe e gravidez indesejada.
Fatores de proteção para a depressão pós-parto
São considerados fatores de proteção para a depressão pós-parto:
Elevada autoestima;
Boa relação conjugal;
Suporte social adequado;
Preparação física e psicológica para as mudanças relacionadas com a maternidade.
Consequências da depressão pós-parto
As mulheres com depressão pós-parto têm um maior risco de apresentar episódios depressivos no futuro e principalmente novos episódios desta doença.
A depressão pós-parto pode ter repercussões significativas na qualidade de vida, na dinâmica familiar e na interação mãe-bebé.
Mães deprimidas podem lidar com os seus filhos de forma insegura e pouco afetuosa e muitas vezes interrompem a amamentação mais precocemente.
Os lactentes são muito vulneráveis ao impacto da depressão materna, porque dependem muito da qualidade dos cuidados e da resposta emocional da mãe.
Quanto mais grave e persistente for a depressão pós-parto materna, maior a probabilidade de prejuízo na relação mãe-bebé e de repercussões no desenvolvimento futuro da criança.
O que é a psicose pós-parto
A psicose pós-parto é a doença psiquiátrica mais grave que pode ocorrer no puerpério.
Tem uma prevalência global de 0,1%-0,2%, mais elevada nas mulheres com doença bipolar.
A psicose pós-parto tem geralmente um início rápido e os sintomas instalam-se nos primeiros dias até 2 semanas do pós-parto.
Sintomas
Os sintomas iniciais de psicose pós-parto são euforia, humor irritável, discurso acelerado, agitação e insónia.
Posteriormente surgem ideias delirantes, alucinações, comportamento desorganizado, desorientação, confusão mental, perplexidade e despersonalização.
O quadro psicótico no pós-parto é uma situação de risco para a ocorrência de infanticídio. O infanticídio ocorre geralmente quando as ideias delirantes envolvem o lactente, como ideias de que tem uma malformação ou está a morrer, que tem poderes especiais ou de que é um deus ou um demónio ou ainda que é preferível matar o filho porque tem a convicção de que não tem competência para cuidar dele.
Devem ser sempre investigados nos quadros de psicose pós-parto comportamentos negligentes nos cuidados com o bebé, bem como ideias suicidas e/ou infanticidas.
Tratamento e prognóstico
Pela gravidade do quadro da psicose pós-parto, geralmente é necessário internamento hospitalar para avaliação e tratamento.
Em cerca de 20% das mulheres há uma remissão completa da doença sem recorrências posteriores.
Fatores de risco para a psicose pós-parto
Entre os fatores de risco para psicose puerperal:
Primiparidade (primeiro filho);
Complicações obstétricas;
Antecedentes pessoais ou familiares de doenças psiquiátricas, sobretudo outras perturbações psicóticas.
Perturbações de ansiedade no pós-parto
O pós-parto tem sido também identificado como um período de precipitação ou de exacerbação das perturbações de ansiedade, entre as quais:
Perturbação de ansiedade generalizada;
Fobia social;
Perturbação obsessiva-compulsiva;
Perturbação de pânico;
Perturbação de stress pós-traumático.
Perturbação de ansiedade generalizada
A perturbação de ansiedade generalizada pode ser agravada ou ser desencadeada no puerpério, caracterizando-se pela presença persistente de ansiedade ou preocupações excessivas.
As preocupações envolvem diversos eventos e atividades de vida e são acompanhadas de sintomas como inquietação, cansaço, dificuldade para se concentrar, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono.
Fobia social
A fobia social bem como alguns quadros de ansiedade social não patológica, podem agravar-se no puerpério, o que é compreensível dado o aumento de relações sociais potencialmente desconfortáveis neste período.
As mulheres têm que contactar durante esta fase com diversos profissionais de saúde, múltiplas visitas ao recém-nascido, pessoas presentes em casa para ajudar nos cuidados com o lactente, podendo estas exposições levá-las a ficar mais introvertidas e muito receosas de críticas.
Perturbação obsessiva-compulsiva
O puerpério é o principal evento de vida relacionado com o desencadeamento ou a exacerbação da perturbação obsessiva-compulsiva.
O conteúdo das obsessões e compulsões no pós-parto normalmente envolve o bebé.
São frequentes pensamentos obsessivos de conteúdo agressivo contra o recém-nascido, tais como medo de deixá-lo cair no chão, impulso de jogar água a ferver no bebé, de atirá-lo contra a parede ou através da janela, imagens recorrentes do bebé a morrer sufocado no berço, a sofrer um acidente ou a sangrar.
Os pensamentos obsessivos são intrusivos, não reconhecidos como pensamentos que se esperaria ter, causam ansiedade e desconforto e a mulher tenta resistir a eles, ignorá-los ou neutralizá-los.
A ocorrência de pensamentos obsessivos agressivos contra o bebé não está associada a comportamentos infanticidas.
Perturbação de pânico
Relativamente à perturbação de pânico, não parece haver dúvida que no pós-parto ocorre exacerbação dos sintomas da perturbação preexistente, bem como aparecimento de sintomas pela primeira vez.
Algumas mulheres podem apresentar um certo aumento sintomatológico logo no final da gravidez. As alterações fisiológicas associadas à gravidez podem resultar em taquicárdia, sudorese ou tonturas ocasionais, podendo a grávida interpretar esses sintomas de maneira catastrófica e ter crises de pânico parciais ou completas.
Perturbação de stress pós-traumático
A perturbação de stress pós-traumático tem sido também relacionada com o pós-parto. Nesta fase podem ser vivenciados diversos eventos traumáticos, que podem originar sentimentos de medo, impotência ou horror. Entre eles destacam-se:
Situações de dor intensa e prolongada;
Procedimentos obstétricos de urgência;
Experiência de ter sido humilhada pela equipa médica;
Medo da sua morte ou da morte do feto ou recém-nascido;
Percepção de anomalia congénita no bebé, entre outros.
A perturbação de stress pós-traumático no pós-parto pode afetar a decisão da mãe quanto a ter outros filhos no futuro, além de interferir na amamentação e no desenvolvimento do vínculo mãe-bebé.
Resumindo
Durante o período pós-parto cerca de 85% das mulheres sofre algum tipo de perturbação do humor.
Na maioria das mulheres os sintomas são ligeiros e de curta duração, mas 10%-15% desenvolvem sintomas mais graves.
Quer a mulher, quer quem está ao seu redor, devem estar conscientes deste risco, bem como da necessidade de uma intervenção atempada, dado o impacto negativo que qualquer doença psiquiátrica pode vir a ter na relação mãe-bebé e no desenvolvimento da criança.