23/06/2025
Hoje foi dia de escola. Levei a mochila da Elsa às costas e uma vontade pequena, daquelas que já vem amachucada antes de sair da cama.
Quando cheguei, a auxiliar disse logo: “vais para a salinha, está bem, princesa?” Eu fui. A “salinha” é uma divisão com cheiro a m**o e cartazes de cores desbotadas a dizer “Eu consigo!”, colados com fita-cola gasta. Lá dentro, nada. Não tenho colegas. Tenho uma mesa pequena, uma cadeira torta, uma caixa de lápis velhos. Chamam-lhe inclusão. Eu chamo-lhe esquecimento com paredes.
Para mim, a escola é um campo de contenção.
A professora da turma passa lá de vez em quando. “Estás bem, querida?” Eu digo que sim. Sempre. Se disser que não, vão dizer que sou complicada. A minha mãe já está tão cansada: tem olheiras que nem o corrector esconde e quando me penteia às vezes chora baixinho e finge que é alergia.
Preciso de terapia da fala. Três vezes por semana, disseram. Este mês ainda não veio ninguém. Da última vez que veio, a terapeuta trouxe um livro com imagens, mas teve de ir embora cedo. Fiquei com a página aberta no meio. Era uma menina a sorrir. Fiquei a olhar para ela até me doerem os olhos.
Na hora do recreio, fiquei na sala. “Está muito barulho lá fora”, disseram. Um dia, tentei sair à socapa. Chamaram-me rebelde; eu só queria baloiçar. Só isso: balançar um bocadinho, fingir que voava.
Hoje, na cantina, deram-me a comida quando os outros já tinham saído. Sentaram-me ao fundo. Não havia talheres pequenos; usei os grandes. A sopa caiu-me no colo.
Na aula de Educação Física, sentei-me a ver. Vi as outras meninas jogarem à apanhada. Ri baixinho quando uma caiu. Queria ter caído com ela só para ser parte do jogo.
Depois veio a psicóloga. Perguntou o que eu sentia. Eu disse “frio”. Não soube dizer mais. Ela escreveu qualquer coisa e foi embora.
Não quero ser um relatório. Não quero ser um caso. Quero ser a menina da Elsa, a que sabe todas as falas do filme. Quero que me chamem para a roda, para a dança, para a vida. Não sou um problema; sou uma criança. Talvez um dia digam: “Vem brincar connosco.” E eu vou correr e ninguém me vai mandar parar. Nesse dia, vou voltar a acreditar na escola. E talvez até nas pessoas.