09/09/2020
COMUNICAÇÃO vs. MÁSCARA
“A comunicação não é o que falamos, mas sim o que os outros compreendem do que foi dito” (Cláudia Belucci).
Setembro é o mês de regresso às rotinas. Estamos prestes a iniciar um novo ano letivo que será marcado por uma nova realidade escolar em tempos de Covid-19.
Uma das medidas que será uma realidade é a utilização de máscaras por parte do corpo docente e de alguns alunos, dentro da sala de aula. Enquanto terapeuta da fala, esta medida é algo que me preocupa. Sei da importância da utilização de máscaras, pois a saúde pública está acima de tudo e é imperativo a luta e prevenção contra esta pandemia. Por outro lado, preocupa-me a comunicação, neste caso, as implicações que a utilização de máscaras poderão ter na transmissão da informação por parte do corpo docente.
Segundo um estudo realizado por Goldin et. al. (2020), a utilização de máscaras pode atenuar os sons da fala até 12dB, ou seja, resulta numa diminuição da qualidade da fala, isto somado ao ruido existente nas salas de aula e ausência de feedback visual dos movimentos labiais poderá resultar na ininteligibilidade da mensagem passada por parte de crianças que apresentem qualquer tipo de comprometimento auditivo.
Muitas crianças em idade escolar e pré-escolar apresentam ou apresentaram episódios de otite média com derrame (OMD). A OMD é definida como a presença de fluido no ouvido médio sem sinais e/ou sintomas de infeção aguda (sem presença de dor ou febre), e é acompanhada por perdas auditivas condutivas, episódicas e variáveis que podem ir de leves a moderadas. Cerca de 80% das crianças tem pelo menos um episódio de OMD até aos oito anos de idade (Balbani & Montovani, 2003).
É assim importante que, com esta nova realidade, exista uma maior atenção e preocupação com a integridade auditiva das crianças e sejam realizados exames de despiste auditivo para ter a certeza da integridade da acuidade auditiva das crianças. Por parte do corpo docente, também é necessário ter uma maior atenção aos sinais de alerta e um encaminhamento precoce das crianças que apresentem uma diminuição da capacidade de atenção, trocas fonológicas (na fala e/ou na escrita) e crianças que não consigam ou tenham dificuldades em compreender as ordens dadas pelos professores.
No processo de aquisição de fala e linguagem, a realidade de cuidadores “emascarados”, neste caso nas creches, também poderá ser um problema a ter em atenção, uma vez que as crianças até aos 3 anos encontram-se numa etapa crucial de aquisição linguística, e ao passar tanto tempo numa instituição de ensino com cuidadores que utilizam máscara, poderá comprometer o desenvolvimento linguístico de algumas crianças que já poderiam ter alguma predisposição para tal. A falta de feedback visual, do modo e ponto articulatório dos sons da fala, assim como a distorção dos sons provocada pela máscara poderá trazer um agravamento das perturbações dos sons da fala. Mais uma vez, nestes casos apela-se aos educadores e encarregados de educação para terem especial atenção às etapas de desenvolvimento linguístico e de fala, e que recorram atempadamente a profissionais especializados.
Mas esta nova realidade não prejudica apenas as crianças e as suas aprendizagens, o corpo docente também terá que ter especial cuidado, pois para serem ouvidos e compreendidos em sala de aula, nestas condições, a tendência dos mesmos é a de aumentar a voz e fazer um maior esforço vocal, aumentando assim, o risco de dísfonas e lesões nas cordas vocais.