20/10/2025
Sábado.
Fui ao Mercado dos Produtores, como tantos sábados faço.
A M tinha a minha encomenda pronta e fui em busca de maçãs e dióspiros. Estavam lindos e disse à V que trazia a caixa e paguei.
Compras feitas, buscar a caixa e sair com ela em braços. Dois passos, a céu aberto, as lágrimas começam a cair, uma atrás da outra, sem avisar ou parecer parar.
Sigo para o carro no silêncio possível, com o coração a apertar. O J põe o s**o no chão do seu lado e eu volto a olhar para eles, antes de lhe colocar o tabuleiro no colo: tão bonitos! Mesmo no ponto. E que cor maravilhosa, que prazer delicioso que o outono traz consigo.
As lágrimas continuam a cair, agora mais ainda.
Partilhávamos sempre os dióspiros. Quando um de nós os via, ligava ao outro: "Olha, encontrei! Os primeiros. Estão mesmo lindos! Vou comprar x para mim. Tu, quantos queres?" E era assim, até haver dióspiros, outono fora.
Às vezes aparecia lá em casa com alguns, na caixinha própria, e fazia-te uma surpresa. Sorrias. Olhávamo-nos e não eram precisas palavras: dois pratos e duas colheres pequeninas. E sentávamos à mesa, deliciados, a fazer tratados sobre dióspiros, numa tertúlia tão nossa.
Chorei até casa, enquanto conduzia.
Compras arrumadas, fui buscar um prato e uma colher pequenina. Sentei na minha mesa. Comi um dióspiro. Depois outro.
Tenho saudades tuas, pai!
Das tuas mãos, da tua voz, do cheiro da tua pele, do teu humor, de tanto mais!
Tenho saudades de comer dióspiros contigo. Sábado comi um por ti.
Amo-te! Grata e em paz por tanto que foste e pelo que és de bom em mim!
Não ía há muito ao T0 (como sempre lhe chamámos) de onde me despedi do teu corpo.
Flores de um amarelo forte, da cor do bico dos teus melros, e lilases. Vi o teu nome ali. Ainda me é estranho. As duas datas. Lembrei o momento em que partiste, naquele domingo à noite, e outros.
Salpiquei a campa com pétalas cor de sol e fui para o carro.
Toda a natureza chamava por mim e eu por ela.
Fui para o silêncio e paz que sinto quando estou fundida nela. Descalça, o chão e as raízes por baixo dos meus pés. Molhei-os e olhei à volta. Sem pressa.
Deitei. O céu, as árvores e fechei os olhos. Olhei para dentro e senti. Até ser noite.