25/03/2016
PRECISAMOS NOS PREPARAR PARA O PARTO?
Quero compartilhar um pouco com vocês, algumas reflexões que emergiram no II SEAPAN (Seminário Alagoano de Parto e Nascimento), especialmente a partir da palestra de abertura da enfermeira obstetra Heloisa Lessa.
O movimento de Humanização do Parto e Nascimento une o que temos de mais seguro e avançado sobre a assistência a esse momento - que são as evidências científicas (frutos de pesquisas consistentes) - com o respeito pela singularidade dessa vivência para cada família. A medicina baseada em evidências aponta que o mais seguro e benéfico para a díade mãe-bebê, quando ambos estão bem, é o respeito à fisiologia do parto. E com isso não condenamos à cesariana, ao contrário, ela é uma cirurgia que, quando indicada corretamente, é muito bem-vinda porque salva vidas.
Mas vamos focar no Parto Normal ou Natural, o que significa respeitar a fisiologia? Não vou abranger as questões mais biológicas e técnicas porque não tenho competência para tal. Quero falar sobre a psicofisiologia, condição psicoemocional que a mulher precisa vivenciar para conseguir parir de forma plena. É um estado alterado de consciência, no qual nosso neo-córtex, parte do cérebro responsável por nosso pensamento racional, sofre um apagamento, ou seja, diminui a sua atividade. Paralelamente, ocorre uma ativação do nosso cérebro primitivo, responsável pelos nossos instintos, nos ajudando a acessar nossa sabedoria ancestral e mamífera presente em nosso corpo, que sabe muito bem como parir. Essa condição psicológica especial ganhou o nome de “partolândia”, que é um estado de interiorização, no qual emoções, sensações e sentimentos são percebidos e vivenciados de maneira bem mais intensa que o habitual e, no qual conteúdos inconscientes - tais como nosso próprio nascimento, relações com os pais e também medos, traumas e potencialidades - são acessados.
A questão é: se a proposta é o retorno ao natural, se nosso corpo sabe o caminho, porque fala-se tanto em preparação para esse momento? Muitos fatores podem ser elencados nessa resposta, a questão cultural por exemplo. Estamos num pais com o maior índice de cesarianas do mundo, no qual o sistema obstétrico funciona quase em sua totalidade como uma fábrica de bebês programada com procedimentos de rotina que seguem um padrão de intervenções para todas as mulheres e que não respeita os desejos, necessidades e preferências do casal\família. A sociedade compartilha o pressuposto de que a cesariana é a melhor opção ou que um parto medicalizado e violento é aceitável. Então, para fugirmos desse sistema cuja fundamentação é a crença na incapacidade da mulher (com falsas indicações de cesariana) e a disseminação do medo (com “n” mitos), é preciso se INFORMAR, só a partir de informações confiáveis é possível fazer escolhas conscientes e seguras.
Por outro lado, não basta se informar e fazer as melhores escolhas para você e seu bebê, tais como: tipo de parto, local do parto, equipe, acompanhantes, etc. Como diz a psicóloga perinatal Laura Uplinger “parir não é saber parir, parir é um ato de imensa ENTREGA”. E só nos entregamos quando confiamos, não é? É necessário confiar em você, no seu corpo, em Deus (de acordo com sua crença), na equipe, nos acompanhantes... Para parir precisamos nos entregar a esse processo psicofisiológico, é simples, era para ser fácil... É mais fácil para umas e mais difícil para outras, por quê? Não tem nada a ver com “capacidade”, nenhuma mulher é mais capaz que a outra, cada uma tem suas potencialidades e limitações que refletem a sua subjetividade, são consequências da sua história de vida, personalidade, do seu momento atual e de tantas questões, muitas vezes inconscientes. Nossa própria cultura ocidental, capitalista nos influencia a nos tornarmos adultos ansiosos, controladores, racionais e consumistas. O que nos leva, muitas vezes, a buscar respostas, segurança e satisfação fora de nós, em coisas, pessoas, instituições, status... Temos que ter cuidado, como nos alertou Heloisa e outros palestrantes do evento, de não cair no canto da sereia e acreditar que o “parto humanizado” é um kit pronto que acontece igual para todas e que devemos seguir um padrão exposto nos lindos vídeos editados no yutube. Isso é muito preocupante!!! Se comparar com as experiências dos outros ou se cobrar porque não seguiu o que estava no plano de parto pode ser um dos fatores que leva a uma mãe desenvolver baby blues ou depressão pós-parto, pois muitas ficam pensando “eu não consegui”, “eu fracassei” o que gera o sentimento de culpa, incapacidade, inferioridade...
Vamos retomar a psicofisiologia: introspecção, conexão com o corpo, alma e espírito, contato com sua Sombra (conteúdos inconscientes)... Parir e se enxergar, é olhar para a sua alma, é um processo de autoconhecimento, logo nenhuma referência externa pode servir como parâmetro para medir a sua vivência. A experiência do parto é sua, única, particular, diz respeito a quem você é, a sua história, ao que precisava vivenciar... Portanto, acolha o que vier, elabore o que precisar, mas acima de tudo, escute o seu coração! Acontece que a maioria de nós, ocidentais, não foi incentivada e\ou não teve oportunidade de nos conhecer, de olhar para nossas crenças, traumas, medos, inseguranças que podem emergir no parto e pós-parto como bloqueios emocionais. Nossa cultura nos leva a passar a maior parte da vida usando nosso neo-córtex: pensando, falando, escolhendo, fazendo, no controle... O parto nos convida ao contrário: silenciar, interiorizar, relaxar, confiar... Parir é perder o controle! Nossa cultura tende a nos afastar cada vez mais do natural, emocional, ancestral e animal. O parto nos convida a fazer o caminho inverso e nos conectar com: nossa ancestralidade, nosso lado instintivo, mamífero, mergulhar nas emoções e sensações...
Por essas razões acredito que, em nosso atual contexto sociocultural e histórico, precisamos sim nos preparar para ter uma vivência satisfatória nesse rito de passagem. Essa preparação, contudo, é singular, para algumas mulheres é mais longa e exige uma maior dedicação, para outras nem tanto, porque há algum tempo tem fugido das garras da cultura e\ou vivenciado o autoconhecimento, de maneira que já vem se preparando, mesmo se saber.
Foi pensando nessas questões que desenvolvemos o Workshop de Preparação para o Parto, como um dia prioritariamente vivencial no qual vamos facilitar momentos de introspecção, autoconhecimento, consciência corporal, sintonia entre o casal, visando auxiliar o casal a sentir como é se entregar a psicofisiologia do parto; e também compartilhar informações essenciais para fazer escolhas conscientes. Aquelas(es) que se sentirem chamadas(os), sejam bem-vindas(os)! Inscrições e informações: clinicaqvu@gmail.com
Autoria do texto: Kaanda Barros Ribeiro – mestranda em psicologia e psicóloga clínica\perinatal.