14/10/2015
O Mito Peter Pan na Contemporaneidade
*Júlio Gomes
CRP: 03/IP12011
Quando o autor James Matthew Barrie , mais conhecido simplesmente como J. M. Barrie, inventou Peter Pan, ele contava histórias aos filhos da sua amiga Sylvia Llewelyn Davies, com quem mantinha uma relação de amizade muito especial.
O nome provém de duas fontes, Peter Llewelyn Davies, o mais novo dos rapazes naquela época e de Pan, o deus grego das florestas. Poucos anos após a morte de seu marido, Sylvia Davies morreu de câncer e J. M. Barrie foi nomeado co-tutor dos garotos, sem adotá-los oficialmente.
Peter Pan apareceu pela primeira vez em 1902, em um livro intitulado “The Little White Bird”, (O pequeno Pássaro Branco) uma versão ficcionada da relação de Barrie com as crianças de Sylvia Davies e que foi adaptada ao teatro. Em 1911, Barrie fez outra adaptação que chamou de “Peter e Wendy”, mas que normalmente é chamada simplesmente de Peter Pan.
O personagem desse conto, é um pequeno rapaz que se recusa a crescer e que passa a vida em busca de aventuras mágicas. Ele é um menino adorável vestido de folhas e tem dentes de leite! A imagem central passada por Peter Pan, é a ideia sobre a nossa descoberta infantil de que iremos crescer e nos tornar adultos, mas que apesar dessa faze ser desejada, causa muito medo. Seu nome Pan e o ato de tocar flauta remete ao deus grego Pã, que segundo as lendas, compõem a mitologia grega.
Pã costumava residir nas grutas localizadas nas florestas, sendo também um andarilho que vagava pelas montanhas e pelos vales, sempre procurando por caça, ou então, procurando por diversão, dançando com ninfas alegremente.
O que pouca gente sabe, é que o deus Pã, apesar de alegre e amante da música, também era muito temido por todos que precisavam atravessar florestas e bosques, especialmente quando estas travessias se davam à noite.
As trevas e a solidão acabavam fazendo com que as pessoas ficassem aterrorizadas, com muito medo súbito e sem explicação aparente, que quase sempre eram associado ao deus Pã, que por este motivo, deu o significado da palavra pânico, que hoje se refere a este tipo de pavor repentino. Por outro lado, Carl Gustav Jung, analisando o mito histórico Peter Pan , o denominou como arquétipo de puer aeternus, ou seja, a eterna criança. Nesse ínterim, Jung percebeu também a semelhança de Peter Pan a Dionísio e a Eros, deuses crianças da mitologia grega.
Ele vive entre as fadas, ou seja, em um mundo de imaginação e de fantasia, não aceitando a realidade. Seu lar é a Terra do Nunca, onde só vivem normalmente, meninos que como ele não crescem.
À muitos anos e nos dias atuais, alguns homens se identificam com esse padrão e se comportam a vida toda como adolescentes. Tendo comportamentos que seriam absolutamente normais para os adolescentes, mas que não condizem mais com a vida adulta. Esse padrão de homem, identificado com Pan, busca a "mãe" (arquétipo materno) em seus relacionamentos, mas quando passa a conviver com a mulher real, descobre que ela é apenas um ser humano com qualidades e defeitos. Decepcionado com a descoberta, passa a vida buscando um ideal inalcançável, motivo pelo qual, muitos homens somam diversos relacionamentos frustrados muitas vezes pelo fato de buscarem em sua companheira a imagem materna de forma inconsciente.
Outra característica que Peter Pan apresenta e que pode criar sérios problemas de relacionamento, é a atitude arrogante e exibicionista em relação aos outros, devido a um complexo de inferioridade encoberto por falsos sentimentos de superioridade.
Pan é extremamente sedutor e carismático, pois tem o charme da juventude. Ele, portanto mostra um lado sedutor das pessoas que se identificam com ele, mas que não querem enfrentar a realidade e assumir algumas responsabilidades. Quantas vezes sonhamos em voltar a sermos crianças livres e
descompromissadas?
Esse nosso lado pode ser extremamente estimulante e nos levar a situações não convencionais, nos tirando da rotina e nos remetendo inconscientemente a não encarar processos vivenciados em nossa realidade, que em alguns casos tornou-se motivos de complexos e frustrações. Entretanto devemos tomar cuidado com ele, intercalando em nossa vida a responsabilidade e o compromisso, uma vez que dar vazão somente ao lado infantil de nossa personalidade, pode nos levar a alienação de nossas vidas.
Como acontece com todos os arquétipos, o puer é considerado bipolar, exibindo, portanto, um aspecto eminentemente positiva e um outro totalmente negativo. O lado positivo do puer é o que aparece como a criança divina, a inovação, potencial de crescimento, simbolizando a esperança para o futuro, antecipando mesmo o "herói" que às vezes acontece com o objetivo de superar os desafios existenciais.
O lado negativo desse arquétipos, é quando o "homem-criança" se recusa enfrentar os desafios que a vida requer e que se recusando crescer, os problemas permanecem a sua espera para serem resolvidos. São pessoas que se negam a envelhecer e que são dependentes. Ao invés de viverem as mudanças psicológicas naturais da adolescência, essas pessoas passaram diretamente da infância para a fase adulta, esquivando-se justamente da adolescência, onde formamos o censo de responsabilidade e compromisso em nossa personalidade. Há sempre a fantasia de que, o futuro imaginado, será realizado por si só, o que geralmente ocasiona nesse tipo de perfil psicológico, frustrações e complexos que poderão ser também interpretado como incapacidade de realização, bem como dependências psicológicas conforme mencionado anteriormente.
A criança em suas características, possui uma facilidade surpreendente para a não descriminação de seus amiguinhos (ela aprende a discriminação com os adultos), uma capacidade de interagir com o outro e expressar-se de forma sincera em seus sentimentos. Diferentemente do adulto, que pela racionalização cria uma ruptura com o “Si Mesmo”, ou seja, perde o elemento simbólico, que nas crianças podemos perceber esse material simbólico, arquetípico, concretizar-se, pois ela tem poucas barreiras defensivas. Sendo mais livre e espontânea, tem um contato direto com o inconsciente, o que facilita sua sintonia com o universo simbólico. Em resumo podemos aprender muito com o universo infantil, através da alegria, da sinceridade, da espontaneidade, da esperança entre outras características importantes para nossa formação psicológica, embora estejamos na condição adulta.
* Psicólogo Clínico e Pós-Graduando em Psicologia Junguiana