
10/01/2024
Autoria. Um velho mestre uma vez me falou “o adulto quer autoria. Criança se contenta em reproduzir o que é dos outros”. Esse pensamento me acompanha desde então. No cotidiano do consultório, diversos pacientes que passam pelo meu divã (presencial ou virtual) estão ali para se queixar de algo que não vai bem. Existe uma demanda de algo que eles não conseguem nomear direito ainda. Ao longo das sessões no tempo de cada um, o desejo de autoria, vai tomando forma.
Ser autor não é algo fácil, pois envolve criar algo desde um lugar singular e autêntico. Ocupar esse lugar envolve um processo longo de análise. Primeiro re-contando nossa história para um outro. Disso, percebemos pontos de alienação, de precariedade, de sofrimento. Vamos dolorosamente olhando para o que nos oprime e para a impotência sentida nesse processo.
Eventualmente algo se opera e começamos a prestar atenção em nossa presença no mundo. Nos inserimos na história. Algumas coisas vão caindo e alguns dramas começam virar comédia. E assim, vamos nomeando o que antes não conseguíamos.
Essa experiência inevitavelmente nos transforma. Através dela vamos ampliando nosso campo de linguagem. Quanto mais vamos andando e atravessando tudo aquilo que nos gruda na pele e nos derruba (não sem muito sacrifício e coragem) mais vamos nos tornando outros, mais sábios que aprendem a perder algo do orgulho.
A autoria vem como um efeito desse processo, que é complexo e difícil. Diante de uma visão diferente sobre as velhas coisas, visão diferente que mexe na carne, a gente começa a querer também falar do que é nosso, singular. Ficamos com o desejo de “fazer com o outro” e não somente “para o outro”. Menos embrutecidos, menos raivosos e reativos às críticas. Por compreender que a vida não é definitiva, pois morremos, nós entendemos que todo o resto também não o é e não precisa ser, no que tange àquilo que é simbólico. Diante disso, criamos a vida sem padecer do fantasma de sermos destruídos. A autoria vem e o adulto quer isso, autoria. Não à toa existe aquele ditado “o sentido da vida é ter um filho, escrever um livro, plantar uma árvore”. Nessa brincadeira, o que são essas coisas senão gestos de criação e autoria?